
Por Reynaldo Aragon
O assassinato do ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes, executado em São Paulo, é mais do que um crime de repercussão policial. É um episódio que funciona como apito de cachorro: um sinal codificado, imediatamente compreendido por setores políticos e estratégicos, que pode ser instrumentalizado contra o Brasil.
Internamente, expõe a falência da segurança pública paulista, marcada pela letalidade da Polícia Militar, pela complacência com facções e pela ausência de controle institucional sob o governo Tarcísio de Freitas. Externamente, oferece à extrema-direita norte-americana o argumento perfeito para enquadrar o Brasil na narrativa do “narcoterrorismo”, já aplicada contra Colômbia e Venezuela.
São Paulo tornou-se laboratório de uma política de segurança pública que combina letalidade recorde com ineficiência estrutural. Operações como a Escudo, na Baixada Santista, resultaram em dezenas de mortes com indícios de execuções sumárias, adulteração de cenas de crime e desligamento proposital de câmeras corporais. A lógica de guerra aplicada pela PM não enfraquece o crime: apenas destrói vínculos de confiança com comunidades e cria terreno fértil para que o PCC amplie sua influência social.
A falência se agrava quando se revelam conexões diretas entre policiais e o PCC. Casos no Aeroporto de Guarulhos e investigações do Ministério Público demonstram esquemas de extorsão, vazamento de informações e proteção a faccionados. O problema não é periférico: é estrutural. O Estado que deveria combater a facção aparece, em múltiplos momentos, cooptado por ela.
Essa infiltração encontra seu ápice na blindagem financeira. A Operação Carbono Oculto mostrou que o PCC movimentou mais de R$ 50 bilhões em poucos anos, inserindo parte desse capital diretamente em fundos e gestoras da Faria Lima. Trata-se de um salto qualitativo: o crime não está apenas na rua ou nos presídios, mas entranhado no coração do mercado financeiro brasileiro. Quando polícia e capital se tornam zonas de complacência, o crime organizado alcança um nível de resiliência que nenhuma operação repressiva convencional pode eliminar.
O pretexto perfeito para Washington
Esse cenário interno dialoga diretamente com a ofensiva norte-americana na região. Em 2025, os EUA decertificaram a Colômbia, acusando Petro de falhar no combate às drogas; atacaram embarcações venezuelanas em alto-mar, em operações contestadas no direito internacional; e reclassificaram facções latino-americanas como organizações terroristas estrangeiras. Essa mudança jurídica é central: ao transformar narcotráfico em terrorismo, Washington amplia seu arsenal de sanções, controles e até justificativas militares.
O Brasil ainda não foi enquadrado oficialmente, mas o terreno está preparado. Tarifas comerciais, ataques retóricos de figuras como Marco Rubio e atrasos na emissão de vistos já funcionam como ensaios de coerção. O assassinato de Ruy Ferraz oferece o elemento simbólico que faltava: um crime de alto impacto, cometido por uma facção transnacional, contra um representante do Estado. Para a narrativa trumpista, é a prova de que o Brasil não combate o narcotráfico de forma eficaz.

Riscos e cenários possíveis
O risco imediato é o da pressão discursiva, com o Brasil incluído em relatórios oficiais como país falho no combate às drogas. Em seguida, podem vir sanções seletivas: bloqueio de ativos de empresários e fundos investigados por ligação ao PCC, inspeções alfandegárias sobre exportações e restrições diplomáticas. Num terceiro estágio, há a militarização indireta, com presença ampliada de navios norte-americanos no Atlântico Sul sob o pretexto de “garantir segurança” em rotas comerciais. Por fim, o risco mais grave: a convergência entre a narrativa externa e a extrema-direita interna, que poderia explorar a crise para enfraquecer o governo Lula em 2026, legitimando sua retórica de “Estado dominado pelo crime”.
A resposta necessária
O governo federal não pode permitir que um crime em São Paulo seja instrumentalizado contra a soberania do país. A primeira medida estratégica é federalizar a investigação, garantindo que a Polícia Federal conduza o caso com rigor técnico, preservando provas e dando transparência suficiente para neutralizar narrativas externas. A segunda é seguir o dinheiro: aprofundar a investigação sobre a infiltração do PCC na Faria Lima e responsabilizar fundos e operadores que serviram de escudo financeiro. A terceira é atuar diplomaticamente, levando os fatos a fóruns como ONU, UNODC e BRICS, afirmando que o Brasil combate o crime como Estado de Direito e não aceitará ser tutelado.
Mais do que resolver um assassinato, está em jogo a posição estratégica do Brasil em um mundo marcado pela guerra híbrida. O caso Ruy Ferraz é uma peça de uma engrenagem maior que combina bala, dólar e narrativa. A resposta precisa ser imediata, firme e soberana.