UPDATE: A frase sobre pesquisas em criminosos, citada neste artigo, é da dra. Preci Grohman. Cora Rónai usou a declaração de Grohman em sua coluna. A respeito da polêmica, ela escreveu hoje em seu blog: “Não é difícil imaginar o grau de risco que isso poderia representar no Brasil, sob todos os aspectos. De modo que, em tese — mas muito em tese mesmo, ainda preciso pensar mais sobre isso — sou contra a permuta de testes farmacêuticos ou cosméticos por reduções de pena.” Pedimos desculpas a Cora por atribuir-lhe a frase.
Sou leitor eventual da Cora Rónai n’O Globo e adoro suas fotos de bichinhos. Então comecei a ler seu artigo “Animais!”, em que a jornalista comenta a invasão do Instituto Royal e a retirada dos 178 cães da raça beagle.
O artigo é esclarecedor. Ele aponta a falácia da nota oficial da instituição, em que está escrito que os bichos tinham “as melhores condições de vida, com saúde, conforto, segurança e recreação”. Como, se os beagles eram cobaias? Tomavam drogas cujo efeito era desconhecido e, portanto, potencialmente letais. Viviam amontoados ou em gaiolas.
Ela ainda cita dois cientistas que trazem informações importantes, como o fato de que o organismo dos animais jamais será para os pesquisadores o balão de ensaio ideal para a sintonia fina do estudo dos efeitos das drogas no corpo humano.
Um exemplo cabal: a talidomida, medicamento testado em animais. Foi aprovado. Grávidas tomaram durante os anos 70 como um paliativo contra o enjoo matinal. O resultado? Uma geração de crianças nasceu com trágicas malformações nos membros. Ela também cita testes feitos pela indústria tabagista em macacos, que não desenvolveram câncer de pulmão após serem forçados a tragar cigarros.
A solução, mais ética e mais dispendiosa, usada no primeiro mundo, de acordo com especialistas consultados por ela, são as culturas de células humanas, estudos in vitro com material genético igual ao seu e o meu. Perfeito. Concordo e aplaudo.
Mas aí vem o último parágrafo.
O triste, equivocado, inexplicável fecho do texto.
“Pesquisas já são feitas com voluntários, podem ser feitas em criminosos que desejem reduzir suas penas.”
De novo, para o caso de você não ter acreditado.
“Pesquisas (…) podem ser feitas em criminosos que desejem reduzir suas penas.”
Cora, por favor.
Jamais a vida de um animal será mais importante do que a de um ser humano, mesmo um ser humano enjaulado e desesperado para diminuir seu tempo atrás das grades.
Se você não quer que os testes sejam feitos em animais, por que você sugere que eles devem ser feitos em gente?
Seu artigo devia ter sido cortado no pé.
Tive um sentimento tão ruim ao ler sua sugestão de que a vida de um rato branco de laboratório (desses que se alimenta às cobras no Instituto Butantã) vale mais do que a de um homem que cometeu um erro e está confinado, pagando sua dívida com a sociedade.
Porque esse condenado – esse assassino, ou traficante, ou ladrão –, ele, na pior das hipóteses, pode sair um dia da cadeia e ter um filho. E este filho pode ser qualquer coisa. Se o preso não vale nada (e tem gente que está além da redenção), a prole pode redimi-lo. Você entende? O filhote da espécie humana é um animal que não tem limites. Ele ou ela pode ser o pesquisador(a) que vai curar o câncer. Ou salvar um animal da extinção. Ou ter a próxima ideia que vai revolucionar nossas vidas. Ou escrever a canção de amor mais bonita do século.
Para fechar, Cora, sabe quem testava drogas em prisioneiros?
Reductio ad hitlerum (a tese de que recorrer ao nazismo significa o fim dos argumentos de uma discussão) à parte, sim, Cora, quem testava drogas em prisioneiros era ele: Josef Mengele. O anjo da morte. Alguns milhares de judeus perderam a vida em suas mãos meticulosamente assepsiadas.
Li em algum lugar que a pesquisa dos médicos nazistas em humanos avançou diversos campos da medicina no pós-Guerra. Já que estava feito, não fazia sentido jogar fora aquele conhecimento. Mas me diga: alguém cogitou perdoá-los por isso? Jamais. São monstros abjetos. Torturadores. Assassinos.
Não há desculpa para colocar uma vida em risco, Cora. Nenhuma. De bicho, como você tão bem quer, e de gente também.
Nenhuma.