O arranjo ‘Renda Brasil’ será mais um fracasso do governo Bolsonaro. Por Fernando Brito

Atualizado em 28 de julho de 2020 às 9:57
Paulo Guedes na reunião com Bolsonaro do dia 22 de abril

PUBLICADO NO TIJOLAÇO

POR FERNANDO BRITO

Folha publica hoje um levantamento sobre de onde viriam os recursos para bancar o tal “Renda Brasil” com o qual Jair Bolsonaro tentaria dar prosseguimento, com evidente interesse eleitoral, ao auxílio emergencial criado para enfrentar a pandemia do novo coronavírus.

Em grande parte, o efeito será o de trocar seis por meia-dúzia, porque os recursos são os mesmos e, que se saiba até agora, o suposto programa não tem – como tem o Bolsa Família, com as condicionantes escolares e sanitárias (vacinação) – qualquer tipo de contrapartida que signifique avanços em programas sociais, aliás em processo de desmonte.

O grosso dos recursos “catados” pelo governo virá do Bolsa Família que, por ser focado em famílias com crianças, cumpre aquele papel. Na prática, seria uma diluição destes recursos, sem ganhos de eficiência.

O fim do abono salarial – que já não passou durante a reforma da Previdência – seria a segunda maior fonte de recursos mas, de novo, seria apenas o mesmo recurso “repaginado”. Ou seja, não faria a menor diferença na renda da população, apenas perderia sua ligação com vínculos trabalhistas. Como está na constituição, dificilmente alcançaria, com “Centrão” e tudo, os dois terço dos deputados e senadores para sua aprovação.

Mais para constar do que para somar, o salário-família iria também abastecer o saco de bondades de Paulo Guedes. São, hoje, R$ 48 por filho pagos a cada trabalhador que receba até R$ 1,4 mil por mês, o que representa pouco mais de R$ 3 bilhões por ano. Só que isso tem um grave problema: é que os recursos do salário-família nó aparecem no orçamento pelas deduções feitas por empregadores, os quais são os responsáveis pelo pagamento aos beneficiários.

O argumento de que os beneficiários do abono e do salário-família ” estão acima da linha de pobreza” citado por fontes do governo na reportagem da Folha seria de dar risadas, considerado o que é o salário-mínimo no Brasil.

A via-crucis deste “Renda Brasil”, porém, ainda tem duas estações praticamente intransponíveis: a reoneração tributária da cesta básica – algo que não passa no Congresso – e a extinção das deduções médicas no Imposto de Renda.

Esta última é um nó e tanto, apesar de conter justiça social. É que boa parte da população – 47 milhões – debitam no Imposto de Renda os planos de saúde de que são beneficiários. O setor, milionário, já vem sofrendo perdas – eram mais de 50 milhões de segurados em 2014 – é dos mais poderosos lobbies políticos e não é crível que vá absorver este baque sem reagir.

De tudo o que se sabe do “arranjo” – não dá para chamar de projeto – do “Renda Brasil” o máximo que se pode dizer é que, para variar, trata-se de uma “socialização da pobreza”, porque não se apontou, até agora, qualquer fonte significativa de recursos que venha dos mais ricos, exceto por detalhes do Imposto de Renda.

Um programa de renda mínima – pois é isso do que se trata – não pode ser feito assim, de um “cata-cata” e o correto seria estar umbilicalmente ligado a uma reforma tributária, se isso fosse ser de verdade e não um arranjo para a obsessão fiscal dos neoliberais, sempre desvinculada de uma política de Estado para o desenvolvimento, mas apenas para o equilíbrio do livro-caixa.