O artigo de Lula é um grito contra aqueles que querem mandar na sua boca. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 19 de julho de 2018 às 9:04
Carolina Lebbos, ao lado de Thompson Flores: a missão é violenta demais para uma juíza sozinha

Um trecho do artigo do ex-presidente Lula publicado hoje na Folha de S. Paulo chama particularmente a atenção. O ex-presidente lembra o que disse Cármen Lúcia, no julgamento de uma ação movida pelas editoras de livros, em 2015: “Cala a boca já morreu”.

A hoje presidente do Supremo era relatora da ação que procurava declarar inconstitucional a exigência de autorização prévia para publicar biografias. Na leitura do voto a favor da liberdade de expressão, disse:

“Sem verbo, há o silêncio humano, às vezes desumano. Por isso, a Constituição do Brasil e todos os textos declaratórios de direitos fundamentais (…) garantem como núcleo duro da vivência humana a comunicação, que se faz especialmente pela palavra. O princípio era o verbo. No direito, o princípio e os fins definem-se em verbo. O sentido, o saber e o sabor da comunicação humana que conduz a sua história, de cada um e de todos, põem-se na palavra. Palavra liberdade e convivência para a libertação das pessoas e dos povos. Na ciranda de roda da minha infância, alguém ficava no centro gritando: ‘Cala a boca já morreu. Quem manda na minha boca sou eu’. O tempo ensinou-me que era só uma musiquinha, não uma realidade. Tentar calar o outro é uma constante. Mas, na vida, aprendi que quem por direito não é senhor do seu dizer não se pode dizer senhor de qualquer direito. Também aprendi que a vida conjuga-se no plural. A garantia de falar do outro, que me cumpre hoje, juíza, garantir, pode ter como conteúdo a minha própria vida”.

Quem pronunciou tais palavras tem, como ministra da corte constitucional, o dever moral de reverter a decisão da jovem juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena imposta a partir de condenação de Sergio Moro, seu vizinho no prédio da Justiça Federal em Curitiba.

Carolina colocou a rotina da Superintendência da PF em Curitiba como um bem maior ao direito de Lula se manifestar. Ao negar quatro pedidos de entrevistas — entre eles, o do DCM —, a juíza justificou que haveria “incremento de recursos logísticos e de segurança”, o que, na visão dela, “não se mostra juridicamente razoável”.

Ou seja, não bastasse perder o direito fundamental de ir e vir, com base uma condenação sem provas e sem trânsito em julgado, Lula perdeu também o direito à liberdade de manifestação. No despacho, a juíza argumenta que não. Seu direito à manifestação estaria garantido pelas visitas que recebe e pelas cartas que escreve.

Garantir a Lula o direito de escrever cartas faz da juíza uma magistrada que assegura um direito medieval. No século XXI, mais adequado seria que pudesse dar entrevista ocasionalmente, como acontecem com outros presos, e gravar vídeos como quem escreve cartas.

No caso da gravação dos vídeos, em termos de segurança para o presídio, seria quase a mesma coisa. Mas por que ela não permite?

Só Carolina Lebbos pode responder, mas, já que ela própria não dá entrevista, permite que se cogite algumas hipóteses. Não encontro outra explicação que não seja uma medida para calar Lula. Pois é óbvio que o vídeo tem muito mais impacto do que palavras escritas, e a imagem de Lula, com a fala, daria repercussão muito maior de tudo aquilo que Lula tem dito, seja por escrito ou por recados que manda através de quem o visita.

No artigo publicado hoje, Lula faz uma síntese das desgraças que se abateram sobre o Brasil, desde que “poderosos sem votos e sem ideias derrubaram uma presidente eleita, humilharam o país internacionalmente e me prenderam com uma condenação sem provas”. Entre os poderosos sem votos, estão, claro, juízes. É uma mensagem forte. Imagine-se o impacto dessas palavras se ditas em vídeo, forma de comunicação que Lula domina como poucos?

São verdades que doem, para as quais não há resposta convincente. Para quem tem poder sem voto, mais fácil do que responder é silenciar quem diz.

No artigo, Lula manifesta, corretamente, estranheza pelo fato de que quem deveria ser o primeiro a se levantar contra o “cala boca” não apenas se omite, mas aprova, como o Grupo Globo — talvez a primeira empresa de comunicação do planeta a apoiar a decisão de uma juíza que cassa o direito à liberdade de expressão, em nome da necessidade de preservar a rotina da PF.

É golpe. Não ficou claro? É golpe.

Medidas como esta se ajustam ao saque em curso hoje no Brasil. O Brasil está sob ataque e, para manter a rapina, prende-se a liderança que poderia resistir e restringe-se seu direito à expressão, como se faz com o inimigo, no caso aquele que quer defender o Brasil.

É uma violência institucional tão grande que Carolina Lebbos não tem dado conta sozinha.

Qual a outra razão para o presidente do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, Thompson Flores, fazer uma visita de cortesia à juíza?

Magistrados de instâncias superiores costumam comparecer a gabinete de juiz do piso para correição. Mas, para visita de cortesia, como a realizada ontem, com direito a texto e foto no site oficial do tribunal, não é comum.

Nunca vi.

Carolina Lebbos é juíza substituta e caiu na mesa dela a batata quente de manter Lula calado, uma missão muito maior do que ela. Juiz tem independência e autonomia garantidas por lei, com direitos que o protegem, mas, para setores do Judiciário, a ofensiva a Lula tem sido própria de um time, uma equipe. Ou um batalhão.

No século XXI, não é fácil dizer na frente de todo mundo:

Cala a boca!

Haverá sempre alguém para responder:

“Cala a boca já morreu. Quem manda na minha boca sou eu.”

Quer dizer, menos Lula. Na boca dele, tem mandado Carolina Lebbos.

Mas esta age a mando de quem?