O artigo sobre Punta no Zero Hora é o casamento perfeito do racismo com a burrice

Atualizado em 31 de dezembro de 2014 às 10:54
Paulo Sant'Ana
Paulo Sant’Ana

 

Aos 45 do segundo tempo, o jornalista gaúcho Paulo Sant’Ana perpetrou o artigo mais absurdo de 2014. A única coisa mais sem sentido do que o próprio texto é o fato de ele estar no ar.

Foi no site do Zero Hora. Em “O Céu de Punta”, Sant’Ana elogia o balneário do Uruguai, sensacional por duas razões: não ter uruguaios e, principalmente, não ter pretos.

Escreve ele:

Punta del Este foi erguida pelos argentinos para gozar as delícias da praia, a delicadeza do trânsito e, principalmente, a vantagem enorme de não conviver com os uruguaios. Há gente de todo o mundo em Punta, menos uruguaios. Por isso, os argentinos se refugiaram lá.

(…)

Mas as ruas e avenidas de Punta são limpíssimas, arejadas por árvores inúmeras e têm um trânsito pacífico e convidativo como não há igual em nenhuma cidade do planeta.

(…)

Finalmente, é incrível, mas não há sequer um negro em Punta del Este. A 150 quilômetros de Punta, em Montevidéu, há milhares de negros.

Mas em Punta nenhum empregado, nenhuma empregada doméstica negra, nem camareiras de hotel.

Foi feita em Punta uma segregação racial pacífica e não violenta.

Há mais negros na Dinamarca e na Noruega do que em Punta del Este.

Ou melhor, não há sequer um só negro ou uma só negra em Punta.

 

Os erros, a confusão quase superam o racismo rastaquera. Além da invenção de que Punta não tem uruguaios (??), é de se perguntar o que os pobres conterrâneos de Mujica fizeram com o colunista para que ele os odeie tanto.

Quanto aos negros, segundo o autor, graças a Deus por passarem longe dali. Por isso o lugar é paradisíaco. Bendita segregação racial pacífica. É preciso muito boa vontade para encontrar ironia ali.

Tido como “torcedor-símbolo” do Grêmio, Sant’Ana é um personagem folclórico na região. Ele foi delegado de polícia, vereador de Porto Alegre pela Arena e apresentador de TV. Em novembro, acabou afastado do rádio depois de um entrevero com outro comentarista em que sobrou para a mãe de ambos.

O artigo, compreensivelmente, gerou uma gigantesca reação negativa. O autor pediu desculpas meia boca “a quem se sentiu ofendido”. Uma espécie de “foi mal aê”.

Durante a guerra em Gaza, um blogueiro judeu escreveu no Times de Israel advogando que o genocídio seria “permissível” como a única maneira possível de lidar com os palestinos.

Não ficou um dia no ar. O jornal — que é conservador, aliás — removeu a coluna, classificando-a de “inaceitável”. O editor avaliou o texto como “condenável” e “ignorante”, avisando que não iria publicar algo que “incitasse a violência ou atos criminosos”.

Apesar da idade provecta, Paulo Sant’Ana ainda vai dar muita alegria a seus leitores.