O artista que apanhou do prefeito do Rio é um idiota?

Atualizado em 28 de maio de 2013 às 21:18

Um escritor xingou Eduardo Paes, tomou dois socos e comemorou a façanha no Facebook.

Botikay
Botikay

Quando me sentei para escrever isto, estava bastante desconfiado. Como diz o enunciado marxista: “Ele pode parecer um idiota e falar como um idiota, mas não deixe que isso engane você. Ele é mesmo um idiota” (O Marx aqui, claro, é o Groucho).

Gracejo à parte, vamos tentar entender o que aconteceu na noite de domingo no restaurante Yumê (quatro estrelas e meia no site Tripadvisor; aparentemente, serve pratos japoneses “não tradicionais”, tem um aquário de trutas abaixo do pé dos clientes e uma conta típica fica entre R$ 51 e R$ 100 por pessoa)

O que aconteceu ali fez o prefeito do Rio aterrissar na seção de polícia dos jornais. A crônica diz: estavam no mesmo recinto Paes e Bernardo Botikay, escritor e músico. Botikay e a namorada agrediram o prefeito verbalmente. Foram embora. E… decidiram voltar. Os repórteres não dizem, mas tenho certeza que indicadores em riste voaram próximos das caras um dos outros. Botikay chamou o prefeito de “bosta” e “vagabundo”, disseram. Daí, Paes soltou o braço. Deu alguns socos no jovem de 30 anos.

Bernardo Botikay abandonou o restaurante (e seu relativo anonimato) para ir direto para sua rede social de preferência, num post que foi reproduzido intensamente no dia que se seguiu. Sobre a natureza dos socos, escreveu no Facebook: ” Infelizmente, os socos não deixaram marcas. Não pude ter provas da agressão”. Sobre suas palavras, comemorou: “Não aguentei e fui brusco, agressivo e certeiro”.

Em nota oficial, Paes disse que foi “gratuita e insistentemente ofendido por um casal desconhecido”. Sobre sua recém-descoberta verve pugulística: “Apesar da agressividade do casal, eu não poderia ter reagido como o fiz. Peço desculpas à população da minha cidade pela maneira como agi”.

O prefeito do Rio nós sabemos quem é. Botikay, de acordo com testemunhas, não sabia, o que não deixa de ser um pouco constrangedor. Ele e sua namorada chegaram perto de Paes e perguntaram: “Você é Eduardo Paes?” “Sou o César Maia”, brincou Paes. Quando viram que era, deveras, o atual prefeito, começaram a voar os impropérios.

Mas, vamos lá. Quem, afinal, é Bernardo Botikay? Em entrevista em vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=puAQdK8hSo4) ao site da livraria Saraiva, um sereno Botikay, de pernas cruzadas num sofá branco e cercado de plantas, deu alguns insights sobre o que pensa e sente. Filho de um músico que compõe para teatro, ele assumiu o nome artístico Botika (só “Botika”), porque “não se identifica com ‘Bernardo’”.  Aos 12 anos, fez sua primeira peça com a madrinha Zezé Polessa e logo depois descobriu que não seria ator. Experimentou a carreira do pai. Teve uma banda de rock chamada Aneurisma. Hoje tem uma também de rock chamada “Os Outros”. Numa entrevista a O Globo em 2010, dizia esperar ser produzido por um de seus ídolos, o músico pernambucano Otto. “Não consigo esconder/ a vontade de morder/ sua boca de chiclete”, diz uma das canções.

Ele também escreve. Dois livros. Um, Uma autobiografia de Lucas Frizzo (Azougue), lançado em 2004, foi “vomitado” de acordo com o autor.  Não tem parágrafo nem capítulo e ele disse que não cortou nada do que atirou às páginas.  Um trecho:

“Decidi usar minha mente que brilha e iria fazer de Malu Mader uma espécie de secretária esquizofrênica. Amputei seus braços e pernas durante o sono em que eu a mergulhei e agora ela apenas tinha cabeça e tronco. No dia seguinte comprei um cachorro labrador que eu sempre quis ter e ela acordou chorando e dava para ver que ela tentava movimentar os membros que não tinha mais, pois os cotocos que restaram estavam se mexendo”

(Ele não pediu à Malu para citá-la e expressou em entrevista que durante certo tempo ficou preocupado com o que ela poderia achar. Ela não fez nada).

Eduardo Paes
Eduardo Paes

O não menos “desafiador” Mario Bortolotto diz de Botiktay: “Tem pegada pop e sofisticada” — seja lá o que isso queira dizer. O livro seguinte, Búfalo (Eucleia Editora) não foi um “vômito”, como o livro anterior, algo que ele comemora.

Bom. Bernardo Botkay é um artista? Ao que tudo indica, sim. “Depois que entrei nessa parada, que eu senti que tinha que expressar, não tem mais saída, é uma coisa de sobrevivência, mesmo”, disse, parecendo sério. “Já é intenso para todo mundo lidar com a coisa de estar vivo. Se eu não fizesse essas coisas, eu seria infeliz, triste.”

Bernardo Botkay é um artista infantil? Ao que tudo indica, sim. Sua música é uma espécie de rockabilly atualizado sem muita inspiração. As letras, pobres, das rimas aos temas. Sua prosa, no temido estilo “fluxo de consciência”, deve ser inteligível apenas por inteligências mais apuradas, como de seu compadre Bortolotto.

Mas o que mais me incomoda nas atitudes do artista Botika é que não o vi usar o espaço que conquistou para dizer por que Eduardo Paes lhe tira tanto a paciência. Agredir fisicamente um político é um ato político. Qual é sua posição, portanto? Onde consigo ver suas propostas para um Rio de Janeiro melhor?

O artista dentro dele parece mais confuso do que nunca. Após tentar ser ator, músico, romancista, poeta, parece que Botkay espera expressar sua arte com palavrões — o que não é novidade há muito nas rodas mais incensadas da cultura brasileira.

O pior é Botika (ou Botkay; a essa altura, estou confuso) achar que um artista é aquele que vai a um restaurante de classe média alta, bebe bastante, chama um homem que janta acompanhado da mulher de “bosta” e “vagabundo”, vai embora, decide voltar para fazer tudo de novo até levar a paciência do homem (treinado a não reagir a esse tipo de provocação) até o limite. Eu disse infantil mais acima? Não. Isso é algo idiota. Uma criança saberia a hora de parar.

Paes jamais deveria ter dado os socos. Ele mesmo sabe disso e pediu desculpas à população de sua cidade. Deve estar retraído, pensando em como seus adversários vão usar o ato de destempero contra ele.

Francisco Bosco, filho do compositor e cantor João Bosco, estava à mesa com o prefeito. Disse que ajudou a separar o sururu e que não voltou à mesa por discordar da agressão do dignatário da cidade. Condenou, por fim, ambas agressões. Para mim, dos atores presentes à cena, foi o que desempenhou o melhor papel e deixou o recado mais coesamente sensato. Ninguém ali estava certo.

Um intervalo de volta à crônica policial: no começo da noite de segunda (27), o delegado Orlando Zaccone, responsável pela investigação do caso, deu uma declaração que coloca Botkay numa situação complicada. Segundo o delegado, na delegacia, o artista não disse que foi agredido. Ele na verdade teria se apresentado como testemunha de uma agressão à sua namorada. Nem sequer fez exame de corpo de delito.

Zaccone disse a O Globo: “Existem várias questões que precisam ser esclarecidas para nós. No mínimo é esquisito o músico não ter dito na delegacia que levou dois socos do prefeito. No RO [registro de ocorrência] ele aparece como testemunha. Outra coisa estranha: ele diz que fez exame de corpo de delito, mas a verdade é que quem fez foi a mulher dele, que teria machucado o joelho por truculência dos seguranças de Paes. Já o prefeito assume publicamente que agrediu o músico e pede desculpas. Está tudo muito estranho”.

Botika foi um grande de um babaca.

Eduardo Paes: não dê socos.

Bernardo Botkay: não chame repetidamente um homem de “bosta” num restaurante em frente a seus amigos e sua mulher. A não ser que você não consiga  fazer isso através da sua arte. Aí você deixa de ser um artista. E vai ficar sendo apenas um idiota.

A obra de Botika é ter conseguido fazer todo cidadão de bem do Brasil ter ficado a favor de um político apoiado por Silas Malafaia e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus.