O ateu, com fama de comunista, que inventou o Guaraná Jesus

Atualizado em 30 de outubro de 2020 às 11:33
Jesus Norberto Gomes / Crédito: Domínio Público

Originalmente publicado na AH

Por Fabio Previdelli

Com uma personalidade única e de origem humilde, pouco a pouco ele ficou cada vez mais popular e adorado. Tem a cara de seu povo, se tornou a representação de toda uma cultura. Uma verdadeira febre, quase que uma religião. Paulatinamente Jesus tem conquistado um espaço maior nas casas e nos corações do povo brasileiro. Afinal, cativa como ninguém.

Só que ele é diferente de todos os outros. Não faz distinções, usa rosa e azul e é par ideal para qualquer ocasião. Adocicado, com um quê de cravo e canela. Companhia perfeita para aquele bolo da tarde ou até mesmo uma boa tapioca. Sua cor rosada é inconfundível, o Guaraná Jesus é único. E por isso tornou-se símbolo do Maranhão.

Apesar do nome, seu inventor não era nem um pouco religioso, muito pelo contrário, Jesus Norberto Gomes era declaradamente ateu. Como se não bastasse tamanha contradição, ele era um ateu com fama de comunista.

Nascido em Vitória do Mearim, no Maranhão, em 1891, se mudou aos 14 anos para a capital do estado em um busca de um emprego. Sua primeira oportunidade não demorou surgir, foi trabalhar na farmácia Marques. Aos 20 anos se tornou empreendedor e abriu a farmácia Galvão. Pouco sabia, mas aquele momento mudaria sua vida para sempre.

Noberto Gomes tinha o hábito de batizar suas invenções como forma de homenagear uma das pessoas mais importantes de sua vida: ele mesmo. Foi assim como o Antigripal Jesus, o Xarope Peitoral Jesus e a Jesulina Pasta Dentifrícia. Dessa mesma forma foi com o Guaraná Jesus, criado em uma seção de águas gasosas e refrigerantes, algo que era comum nas farmácias da época.

No entanto, a primeira versão do produto não agradou tanto assim. O gosto levemente amargo não caiu nas graças do público. Mas como bom brasileiro e maranhense, ele não desistiu nunca e continuou buscando novas alternativas para sua fórmula de sucesso.

Desta vez ele havia acertado em cheio, o novo sabor fez sucesso imediato com os netos de Jesus e logo se tornou um fenômeno por toda a região. A fórmula da bebida gaseificada era toda feita à base de extratos vegetais. Até mesmo o corante do refrigerante era natural.

Em entrevista a revista Piauí, em 2007, Fábio Gomes, neto de Jesus, revela que seu avô era pioneiro em explorar as maravilhas naturais da Amazônia. Ele fazia expedições e sempre trazia ervas da floresta. “Antes de todo mundo começar a falar em biodiversidade, ele já achava que o grande tesouro farmacológico do mundo estava na selva amazônica”.

Fábio também garante que o avô tinha uma visão à frente em relação aos direitos trabalhistas. “Quando ninguém falava em participação dos funcionários, meu avô dava participação nos lucros da farmácia”, diz orgulhoso.

Esse, entre outros motivos, fez com que surgisse o boato de que Jesus era comunista. Em novembro de 1935, Norberto Gomes e outras oitenta pessoas acabam tendo suas prisões decretadas em decorrência da Intentona Comunista. O grupo foi levado até o Rio de Janeiro e permaneceu lá até o ano seguinte.

Fábio ainda guarda uma cópia da carta-testamento que o avô escreveu a punho em 1958, na qual ele pedia um funeral modesto e determinava que a diferença entre os custos das exéquias baratas e mais caras fosse doada ao Partido Comunista. Jesus dizia: “Não fui e não sou socialista, infelizmente, porque seria um idealista. Como pequeno-burguês tenho defeitos, mas sou admirador sincero desse regime verdadeiramente humano, onde pode ser obtida a verdadeira democracia”.

Em 1961, a família de Jesus vendeu a fábrica própria para a então Cervejaria Antárctica Paulista. Mas uma briga judicial — motivada pela acusação contra a fabrica por adulterar e boicotar a venda do produtor — fez com que o contrato fosse rompido anos depois.

Jesus Norberto Gomes faleceu dois anos depois, em 1963, e por obra do destino, não presenciou o produto que inventou proporcionar seu maior acordo comercial. Em 1980, a família Gomes vendeu a marca à antiga Companhia Maranhense de Refrigerantes, que na época era franqueada pela Coca-Cola Brasil no estado.

Já em 2001, o Guaraná Jesus foi adquirido pela multinacional e passou a fazer parte do portfólio da empresa. Mas, desta vez, o refrigerante teve sua identidade e seu sabor característico preservados, mantendo assim a identificação cultural local do produto.

Os elementos gráficos do rótulo remetem à própria cor do guaraná, já o logotipo escrito “Jesus” é a singular assinatura de seu criador. “Manter os aspectos tradicionais da bebida foi um compromisso assumido pela Coca-Cola Brasil diante da família do criador da marca, Jesus Norberto Gomes, ao adquirir a marca em 2001. Todas suas características originais foram mantidas, e o produto que você bebe hoje é o mesmo que era bebido há 89 anos”, garante Rodrigo Assunção, diretor de Marketing e Planejamento Estratégico da Solar.

Em 2008, a Coca-Cola criou uma campanha para os que consumidores escolhessem a nova identidade visual das embalagens do Guaraná Jesus por meio do voto popular. Dentre as três opções, o modelo selecionado foi aquele que remete aos azulejos coloniais portugueses de São Luís.

A ideia foi um sucesso de público e crítica, tanto que a empresa ganhou medalha de ouro de Melhor Estratégia de Marketing no Prêmio Internacional de Excelência em Design (IDEA).

Antes engarrafado somente em São Luís e distribuído em três estados: o próprio Maranhão, Piauí e Tocantins. Agora, o Guaraná Jesus ganhou outras praças. Desde 2016 passou a ser vendido em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Brasília.