A lição dos policiais suecos que estavam de férias em Nova York

Atualizado em 26 de abril de 2015 às 18:30

pmesp

 

Quatro policiais suecos ficaram famosos depois de separar uma briga no metrô de Nova York. O grupo, de férias, estava a caminho do musical “Les Misérables” quando ouviu o operador perguntando se havia policiais no trem.

Eles foram para o vagão indicado e dominaram um morador de rua que espancava outro. Parte da ação foi filmada e chamou atenção pela gentileza, técnica e principalmente pelo saldo: o agressor, negro, foi detido com vida e a princípio sem lesões graves.

Rapidamente surgiram na internet comparações entre a conduta dos suecos e as recorrentes mortes de negros nas mãos de policiais brancos. Houve quem sugerisse, pelo Twitter, que eles treinassem a polícia de NY ou que policiais americanos passassem uma temporada na Suécia aprendendo a manter a ordem sem humilhar, espancar ou matar. Ganharam status de heróis e homenagens até da polícia local.

Em meio aos elogios apaixonados, uma internauta postou o tweet definitivo sobre o caso:

“Os policiais suecos são excepcionais mas não são heróis. Eles são bem treinados, calmos, e não são agressivos sob pressão: profissionais”.

Calma, profissionalismo e certo traquejo escandinavo faltaram aos policiais de São Paulo que atuaram na ocorrência que matou o refém Osvaldo José Zaratini, confundido com um criminoso.

Zaratini foi abordado por um assaltante em fuga, que o rendeu e o obrigou a dirigir até um hospital. Policiais militares localizaram e interceptaram o carro. Durante a abordagem, o assaltante saiu da picape atirando, segundo a polícia, e a vítima desembarcou com o celular nas mãos. Ambos foram alvejados pelos homens da lei. Zaratini levou cinco tiros e morreu no local.

“Um negão, e tal, forte, os caras olhou e sentou bala (sic)”, desabafou o irmão da vítima, referindo-se à combinação mortal da tendência a criminalizar os negros com o uso irresponsável da arma de fogo por policiais brasileiros.

A banalização do tiro provoca mortes Brasil afora. No Espírito Santo, em 2013, um casal sofreu sequestro relâmpago. Para azar deles um policial de folga viu o crime e chamou reforço. Na perseguição houve troca de tiros e a refém Maria da Penha Schopf Auer, presa no porta-malas do carro, foi atingida por disparos da PM e morreu a caminho do hospital.

Em depoimento à imprensa, o marido da vítima afirmou que não teve oportunidade de avisar sobre a presença de reféns e por pouco não foi atingido pelos disparos que atingiram o vidro traseiro do veículo.

As duas tragédias, contrariando o senso comum, não aconteceram por falta de treinamento ou capacitação. A Polícia Militar do Espírito Santo, assim como a paulista, emprega na formação e aperfeiçoamento do quadro um método de tiro cuja premissa é a preservação da vida.

Desenvolvido pelo coronel da reserva da PM paulista Nilson Giraldi, a doutrina do “Tiro Defensivo na Preservação da Vida” recomenda, em linhas gerais, que a arma de fogo só pode ser utilizada em último caso e em duas situações: diante da ameaça iminente à vida do policial ou de terceiros. O método prioriza a negociação e a verbalização durante a abordagem, com a preocupação de garantir a vida de todos os envolvidos na situação.

De acordo com o método Giraldi, os policiais envolvidos nas ocorrências que mataram os reféns Zaratini e Maria da Penha deveriam fazer a perseguição sem efetuar disparos, solicitar apoio e abordar os veículos no momento oportuno. Tiros só em último caso e com parcimônia, na quantidade necessária para conter a ameaça.

Tive a oportunidade de assistir a uma palestra do coronel Giraldi e acompanhar uma instrução de tiro, na época em trabalhei na assessoria de comunicação da PMES. Vi como o método é abrangente, inclusive com orientações quanto ao modo do policial se dirigir ao agressor, de forma calma, educada e firme. O treinamento prático exige que cada policial efetue cerca de 300 disparos em um único dia.

Se treinamento não falta, o mesmo não vale para caráter. O que as polícias daqui precisam é de respeito à dignidade humana, sentimento que impediu um dos suecos de pressionar os pés no pescoço do homem imobilizado por seus dois colegas. Como muitos policiais daqui têm mania de fazer.