Desde a Babilônia, o boicote de evangélicos é o menor problema das novelas

Atualizado em 30 de março de 2015 às 17:14
Nathália Timberg e Fernanda Montenegro (e vice-versa)
Nathália Timberg e Fernanda Montenegro (e vice-versa)

 

A novela “Babilônia” encontrou um responsável por sua debacle: a campanha farisaica  de evangélicos contra o casal de senhoras gays (Fernanda Montenegro e Nathália Timberg).

É uma desculpa providencial. “Babilônia” e congêneres perdem público por causa da internet e, sobretudo, por causa de si mesmas. É o retrato de um mundo velho que perde gente disposta a ver aquilo ano a ano.

A cegueira de quem vive disso pode ser exemplificada no autor Aguinaldo Silva, tido como um case de sucesso. Silva escreveu “Império”, festejada como um grande êxito. Na vida real, terminou com a segunda pior média na história dos folhetins das 21h (46 pontos no último capítulo).

Silva dá algumas pistas para o fracasso desse tipo de atração. Numa entrevista recente, declarou que “há um momento em que você percebe que o telespectador embarcou e você pode fazer qualquer coisa”, referindo-se a uma personagem que trocou de atriz no meio da trama, numa boa.

É uma confissão de como subestimar a inteligência alheia e se orgulhar disso. “Daqui a 50, 60, 80 anos, quando as pessoas quiserem saber como era o Brasil, elas vão ver as telenovelas”, disse ainda. “É lá que está o Brasil. Não está na literatura, no teatro, nada disso”.

(Hemingway, no auge de sua fanfarronice, nunca afirmou nada parecido sobre os EUA. Tolstoi jamais falou nada nesse sentido sobre a Rússia. Nem Balzac sobre a França. Mas quem são esses anões, afinal?)

Um estudo de 2012 da IAB em parceria com a ComScore mostrou que a internet era a mídia mais consumida no país: “o meio mais importante para 82% dos 2.075 entrevistados entre 15 e 55 anos”.

Mais de 40% deles passavam, pelo menos, duas horas por dia navegando, enquanto apenas 25% gastavam o mesmo tempo assistindo televisão. A net apareceu também como a atividade preferida quando se olhava renda, sexo e região. Também era a mais popular em restaurantes, shoppings e na casa de amigos. Não é preciso ser um engenheiro da Nasa para saber que essa tendência apenas se cristalizou e vem crescendo. Os números estão aí.

A internet trouxe consigo os canais por streaming e a popularização das séries. O sujeito pode comparar texto, atuação ou direção das novelas com os dos seriados, algo inimaginável há alguns anos. Fica insustentável.

O problema não é ser popular. Até ser consagrado como gênio pelos diretores da nouvelle vague, Hitchcock era desdenhado como um cineasta muito “comercial”. Ao descrever seu ofício, dizia que “um bom filme é quando o preço do jantar, do ingresso e da babá valem a pena. A duração deve estar diretamente relacionada à resistência da bexiga humana”.

O protesto de fundamentalistas pelos “valores da família” nessas histórias é uma piada. O peso que isso teria é outra. A decadência das telenovelas passa por servir um prato requentado para plateias que, acham os produtores, engolem qualquer lixo, esteja ele decorado ou não com temas “candentes” da sociedade.