O Brasil no mundo e na era Bolsonaro. Por Flavio Aguiar

Atualizado em 17 de novembro de 2018 às 13:04
O presidente eleito, Jair Bolsonaro – AFP

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual

POR FLAVIO AGUIAR

A se acreditar nos relatos disponíveis, a coisa foi assim: Olavo de Carvalho, este luminar do obscurantismo, indicou o diplomata obscurantista Ernesto Araújo (basta acessar seu blog para comprovar o adjetivo) ao filho do presidente eleito, que por sua vez indicou-o a este, que o três-indicou para o posto de chanceler brasileiro, um espaço geopolítico que já foi ocupado por Rio Branco, João Neves da Fontoura, San Thiago Dantas, Azeredo da Silveira, Celso Lafer, Celso Amorim, para citar alguns poucos nomes de uma tradição diplomática da melhor qualidade, e de diferentes correntes de pensamento.

A visão que daí transparece é a de que o Estado voltou a ser um condomínio ocupado por famílias, bandos, que dele se apossam. Consultas políticas? Nada disto. Cortejo às efêmeras popularidades e ao círculo dos protegidos, protetores, apaniguados, uma prática meio macabro-carnavalesca neste século 21, herdeira da ideologia do favor, tão cara ao Brasil regressivo que ora retoma conta das iniciativas políticas no nosso espaço público.

O resultado é um desastre no mesmo plano geopolítico. O Departamento de Estado elogia o abandono do Programa Mais Médicos graças à expulsão programática dos cubanos? Não se pense que isto renderá dividendos e investimentos. Pode render o afago que o dono dá ao cão que ladra contra seu inimigo. Um osso a mais talvez. O filé irá para outros lados.

A indicação do futuro chanceler rendeu desânimo e chacotas pelo mundo. Ninguém sério leva a sério um cara que diz que o nazismo é de esquerda. Ou que a preocupação com o aquecimento global é uma tramoia marxista. E enreda tudo (basta ver o blog) numa mal digerida leitura de Heráclito, mitologia, fanatismo religioso, a ponto de citar que de fato Cristo compareceu à Batalha de Ouriques, em 1139, para ajudar os cristãos contra… quem? quem? ora, ora, os mouros, é claro. Que já deviam ser adeptos de Marx.

Me lembro destes versos do maragato Aureliano de Figueiredo Pinto:

“Conterrâneos, moços lindos,

com sabedorias de escola

e com espinha de mola

se esmeram no culto de um ditador,

seja ele qual for”!

 

Mas o evento rendeu desânimo também: afinal o Brasil foi dos líderes da questão ambiental, desde que ela deixou de ser criminalizada, como era nos tempos da ditadura – louvável para o clã que se prepara para tomar de assalto o Estado Brasileiro –, depois do e para completar o estrago promovido por Temer & asseclas.

De diplomacia proeminente para a aprovação do Acordo de Paris, em 2015, o Brasil está passando à dobre-zero á esquerda na cena internacional, com índice negativo quanto à preservação do seu meio-ambiente. A Amazônia que se dane.

Agradeçamos esta quadro apoplético, mais que apocalíptico, a quem de direito: à mídia conservadora, que tudo fez para achincalhar a esquerda e nada fez para preservar a democracia; aos políticos oportunistas que, sem senso de oportunidade, tergiversaram quando era necessário se juntar numa frente democrática ampla e vigorosa – FHC, Ciro, Marina saíram menores da campanha do que eram quando entraram; à tigrada da toga, que chegou a perseguir universidades que clamavam em favor da democracia, para favorecer o clã que agora assalta o poder; ao juiz que obteve o ministério como recompensa; e aos juízes supremos que se omitiram em tudo.

Tudo isto produziu vergonha para o Brasil. Vamos assistir nas passarelas internacionais o desfile do que temos de pior: ignorância auto-satisfeita, grossura, arrogância, desprezo pela inteligência, tudo o quer já vimos durante a ditadura.

Mas vade retro, desânimo! Também estamos assistindo a uma vigorosa reação da inteligência brasileira, resistente e criativa como nunca. É a nossa esperança, que renova a aposta no futuro.