O Brasil precisa de uma igreja para ateus?

Atualizado em 8 de fevereiro de 2013 às 9:54

Dois comediantes ingleses fundaram uma igreja ateísta — e estão fazendo sucesso.

Sanderson Jones, o Malafaia ateu e engraçado, em sua Igreja Ateísta
Sanderson Jones, o Malafaia ateu e engraçado, em sua Igreja Ateísta

O escritor e filósofo pop inglês Alain de Botton lançou a ideia em seu livro e andou reafirmando em entrevistas: os ateus precisam de uma igreja. Botton quer erguer uma torre de 46 metros no centro de Londres para celebrar, segundo ele, os “300 milhões de anos de vida na Terra”. Botton diz que tem metade do dinheiro e espera conseguir o resto com doações. Se conseguir a autorização e a grana, a construção começaria no final deste ano.

Isso não é propriamente uma novidade (na Revolução Francesa, igrejas foram convertidas em “templos da razão”). Mas Botton defende que a melhor maneira de combater as religiões é usar, basicamente, as mesmas armas. Que existe um rebanho, disso não há dúvida. O grupo dos que se declaram ateus, agnósticos ou sem religião, no planeta, só fica atrás dos que se dizem cristãos e muçulmanos. No Brasil, de acordo com o último Censo, 8% da população se declarou sem religião (destes, 615 mil se disseram ateus).

Recentemente, uma igreja ateísta abriu as portas no norte da capital inglesa – e está fazendo sucesso. A Assembleia de Domingo é comandada por um comediante de stand-up chamado Sanderson Jones. Jones diz que sua organização é “parte um show de pessoas batendo os pés e, no geral, uma celebração da vida”.

Mais de 300 pessoas se reúnem nas ruínas de uma igreja desconsagrada para cantar, em uníssono, hits de Stevie Wonder, Queen, entre outros. A missa tem leitura de alguns clássicos e palestras de físicos, acadêmicos, escritores etc.

ateísmo

O mestre de cerimônias Jones é acompanhado de Pippa Evans, também atriz. Para não ficar na palhaçada, a dupla provoca debates sobre temas que, segundo eles, foram sequestrados pelos religiosos, como “fascinação”.

Segundo a BBC, os “fieis” também têm um momento de contemplação, quando meditam em silêncio, com a cabeça abaixada, sobre o milagre da vida. Na maioria, são pessoas de classe média, brancas, jovens, em dúvida com a sua fé ou apenas em busca de um pouco de divesão no dia mais deprimente da semana.

Esse ateísmo militante ganhou espaço na Europa. Livros como Deus Não é Grande, de Christopher Hitchens, e Deus, um Delírio, de Richard Dawkins, tornaram-se bestsellers (Dawkins também fez um documentário antirreligioso chamado A Raiz de Todo o Mal). O comediante Ricky Gervais virou outra voz ativa.  “Eu duvido que Deus seja racista ou homofóbico, mas a Bíblia não é clara”, diz ele. “Alguns trechos falam de amor e igualdade e outros falam que você não deve confiar em certos tipos e que deitar com um homem como você faria com uma mulher deve ser punido com a morte, o que é meio doentio e mau”.

Na falta de uma tábua de mandamentos, Allain de Botton lançou um Manifesto Ateísta com dez pontos:

  1. Resiliência. Seguir adiante mesmo quando as coisas estão feias.
  2. Empatia. A capacidade de conectar sua imaginação com o sofrimento e as experiências únicas de outra pessoa.
  3. Paciência. Nós devemos ser mais calmos e mais tolerantes sobre como as coisas são.
  4. Sacrifício. Nós não seremos capazes de criar uma família, amar alguém ou salvar o planeta se não praticarmos a arte do sacrifício.
  5. Gentileza. Gentileza está ligada à tolerância, à capacidade de viver com pessoas com as quais jamais concordaremos, mas ao mesmo tempo, não podemos evitar.
  6. Humor. Como o ódio, o humor brota do desapontamento, mas é o desapontamento canalizado de outra maneira.
  7. Autoconhecimento. Conhecer a si mesmo e tentar não culpar os outros pelo seus problemas; ter bom senso para diferenciar entre o que acontece com você e o que pertence ao mundo.
  8. Perdão. É reconhecer que viver com outras pessoas é impossível sem desculpar erros.
  9. Esperança. O pessimismo não é necessariamente profundo, nem o otimismo raso.
  10. Confiança. Confiança não é arrogância, é baseada na certeza do quão curta é a vida e, em ultima análise, quão pouco nós perdemos ao arriscar tudo.

O maior risco da empreitada da trupe de Sanderson é eles acabarem criando, veja só, uma religião. Provavelmente a moda vai passar e essas pessoas voltarão para casa. Ou irão passear no parque. Ou mesmo entrarão na igreja mais próxima. Como diz o velho Bertrand Russel (como eu gosto dessa frase, meu Deus), o grande problema do mundo é que os tolos e fanáticos estão cheios de certezas, e os mais sábios cheios de dúvidas.