O cão Beethoven e as crianças

Atualizado em 2 de outubro de 2014 às 16:57
Beethoven
Beethoven

A comovente história do cão Beethoven, que permanece aguardando o funileiro José Santos Rosa, que havia lhe tirado do lixão, fez o post da página do Facebook anunciado na reportagem da Folha ser compartilhado mais de 200 vezes. José sofreu um ataque cardíaco e não resistiu. Beethoven ainda o espera.

Se há interesse legítimo na procura serão outros quinhentos, mas deve haver alguma coisa errada com o mundo para a história de um cão gerar tamanha repercussão.

Não, não digo que não se deva ter compaixão pelos bichos. Mas por que não vemos esse alarido todo com crianças abandonadas?

Uma reportagem sobre um filho de viaduto faria o mesmo efeito? Como pode se explicar que imensa parcela da população gaste parte de seu salário com mimos para seus pets (brinquedos, tratamentos estéticos, até books fotográficos!!)?

Devo ter perdido alguma parte da história do homem para entender como chegamos a isso.

O apego aos animais de estimação é algo legítimo e a companhia deles é comprovadamente benéfica para muitas pessoas (eu não melhoro nem com reza braba).

Tratamento para crianças com Down, distração entre crianças portadoras de câncer, não faltam virtudes para os animais e merecem seu (e meu) reconhecimento. Merecem tratamento digno. Palmas para José, que acolheu Beethoven quando ainda era um filhote abandonado e cheio de carrapatos.

Mas e um guri cheio de feridas, alguém quer?

Uma criança cujos pais estão na cracolândia neste momento, quem se habilita?

Nem precisaria levar para casa, digo apenas ter a atitude que muitas pessoas têm quando veem um cão abandonado na rua: colocam no próprio carro e levam até uma clínica veterinária. Alguém faz isso com um menino de rua? Colocá-lo no automóvel e buscar uma clínica, um orfanato, uma instituição de caridade?

Perguntar se está com fome, com frio, oferecer não só moedas, mas pagar o lanche. Entrar com ela na padaria.

Todo meu respeito aos amantes de cães, gatos, papagaios e sogras. Mas a prioridade deveria ser outra para quem tem o discurso de “um mundo melhor”.

Que Beethoven encontre logo uma alma boa que lhe dê ração e água. Mas que os Neguinhos, Marquinhos, Jéssyquinhas e tantos malabaristas de limões dos semáforos encontrem quem lhes entregue um cobertor para encarar os 7 graus que fará essa noite.

Frio do cão.