O carnaval dos blocos é uma festa em que o folião grita “O rei está nu”, e a polícia não gosta. Por Larissa Bernardes

Atualizado em 2 de março de 2019 às 18:37
Bloco de carnaval

Até pouco tempo atrás, os blocos de carnaval eram uma tradição esquecida na cidade de São Paulo.

Com a adoção de políticas voltadas à ocupação cultural da cidade, nos últimos anos o carnaval em SP vem crescendo consideravelmente. Apenas neste ano, a prefeitura estima um público de 5 milhões de pessoas nas três semanas de festividades. São cerca de 600 blocos cadastrados na lista oficial. Ano passado, foram 433.

“Na minha visão como folião, existe um momento histórico, entre 2014 e 2015, que grandes blocos com raízes no Rio de Janeiro embarcaram na cidade e trouxeram espetáculos organizados, com qualidade musical e segurança. Daí tem-se Bangalafumenga, Sargento Pimenta e Monobloco, por exemplo. A capacidade de organização desses grades blocos, somado à abertura de diálogo proposta pela Prefeitura, então representada pelo secretário Juca Ferreira, trouxe holofotes para retomada da festa na rua. Isso posto, blocos que já saíam há anos na cidade como (Jegue elétrico, Vai quem quer e Esfarrapados), somaram-se a iniciativas culturais que já existiam, mas antes estavam limitadas a espaços privados. O paulistano aprendeu a ir pra rua e resolveu dar a sua própria visão ao carnaval. Hoje, os mais de 500 blocos que desfilam na cidades nada mais são do que a materialização de um carnaval culturalmente diverso, democrático e descentralizado”, diz Thales Bueno, produtor e co-fundador do Bloco Acadêmicos da Nove de Julho.

Além do crescimento físico e financeiro dos blocos, nota-se o aumento da politização das manifestações. Foliões aproveitam o momento de liberdade para expressar também seu descontentamento com a situação política do país.

“Em 2018, com a chegada das eleições, vimos o cenário eleitoral que se aproximava e resolvemos tirar sarro da situação. Independente do atual governo, as campanhas de maior destaque seguiram a lógica das fake news, promessas e polarização. Dessa visão apocalíptica nasceram As Eleições do Fim do Mundo e, a partir daí, assumimos o interesse em abranger questões políticas cotidianas”, afirma Bueno. “Em 2019, com o novo presidente em questão, após algumas discussões, chegamos à conclusão de que gostaríamos de falar sobre malandragem. A Malandragem foi Proibida nasceu como um enredo que exalta o bom malandro brasileiro, inspirado em Bezerra da Silva e coloca luz sobre o sonho vendido de que a malandragem agora ia acabar. Não se muda a cultura de um país do dia pra noite, muito menos com gente que já está lá há 30 anos atuando conforme a banda toca. Basta ver a atual história dos candidatos laranjas para entender que a mamata acabou nada mais é do que um belo jargão eleitoral. O brasileiro refém da crise econômica, da insegurança e da corrupção, resolveu apostar no que parecia novo. E que fique claro, o outro lado da história cometeu erros suficientes para perder presidência e o espaço no cenário eleitoral”, diz o produtor.

“Para 2020, a pauta política não é uma certeza. Faremos 5 anos nas ruas e creio que  daremos licença poética para uma exaltação a nossa curta e aguerrida trajetória”, conclui.

O bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, que desfilou no pré-carnaval do último domingo (24), contou com um protesto da atriz Maria Casadevall. A moça apareceu com os seios à mostra e os dizeres “ele não” escritos em seu corpo.

Maria Casadevall apareceu com os seios à mostra (Foto: Reprodução)

Na internet, circulam diversas fotos de foliões fantasiados com referências a Jair Bolsonaro e ao caso Queiroz.

Grupo resolveu encenar todo o caso Queiroz (Foto: Reprodução)
Laranja, taokei? (Foto: Reprodução)
Laranja do Bolsonaro (Foto: Reprodução)

Em Salvador, foliões fizeram coro de “ei, Bolsonaro! Vai tomar no c*!”

O aumento da politização, entretanto, também vem com o aumento da repressão, o que levou o Bloco Soviético a decidir não ir às ruas neste ano.

Em comunicado, divulgado em janeiro pelas redes sociais, o bloco anunciou que “irá encerrar suas atividades”. O temor, segundo os organizadores, ocorre por conta da polarização política no país, “é colocar em risco físico integrantes e foliões, o que seria uma temeridade e, no limite, uma irresponsabilidade”.

A nota ainda afirma que “não é mais engraçado brincar de comunismo recreativo quando a acusação de ser comunista se tornou efetivamente perigosa – por mais patético que isso seja – e é usada amplamente pelas forças políticas horríveis que ascenderam ao poder no país”.

Imagens que circularam na internet, mostram a dura repressão policial que aconteceu durante o desfile do Bloco Clandestino, que tem como premissa a ocupação democrática dos espaços da cidade, no último domingo (24).

Sob o pretexto de desobstruir o acesso ao Minhocão, no centro de São Paulo, policiais agrediram, arrancaram instrumentos e dispararam balas de borracha contra os foliões.

O coletivo Fanfarra Clandestina, que organiza o bloco, informou em nota que uma integrante do grupo chegou a ser detida. Além disso, o instrumento dela e mais um surdo foram apreendidos pelos policiais.

De acordo com a nota do grupo, um outro integrante foi atingido nas costas por bala de borracha e por spray de pimenta muito próximo ao seu rosto. Uma terceira pessoa levou golpes de cassetete.

A reportagem tentou contato com o coletivo, porém, até o momento da publicação, não obtivemos resposta.

Thales Bueno, co-fundador do bloco Acadêmicos Nove de Julho afirma que, pela primeira vez em sua história, o bloco sofreu com violência por parte da polícia.

“Pela primeira vez na história tivemos problema com a polícia. Eu, honestamente, não sei se a temática política influenciou, mas desde o início do desfile alguns policiais ficaram exaltados pelo fato de não termos a autorização impressa. Mesmo com email, CET e produtores da Prefeitura presentes, o contingente policial quis criar dificuldades para nossa saída. Na dispersão, mesmo com autorização do Diário Oficial para encerramos as 15h30, às 15h a polícia utilizou de gás de pimenta para dispersar o restante dos foliões que permaneciam na rua. Triste e inédito fim, espero que essa situação não se torne rotina ao longo deste carnaval e pós. A gente não quer problema com polícia, com moradores e com Prefeitura, queremos um carnaval de paz e diálogo, onde nossas famílias e amigos se sintam seguros para curtir”, diz. “Para 2019, iremos reforçar nossas comunicações e segurança, esperando também uma polícia mais aberta a dialogar e colaborar, entendendo o caráter excepcional dos blocos de rua”, conclui.

Um vídeo, divulgado pelos Jornalistas Livres, mostra agentes da Guarda Municipal reprimindo participantes do bloco Acadêmicos da URSAL.

Vídeo de Isabel Frontana sobre a agressão que sofreu na repressão a acadêmicos da Ursal

Vídeo de Isabel Frontana sobre a agressão que sofreu por trás quando gravava a ação repressiva da guarda civil metropolitana e policia militar contra o acadêmicos da Ursal.

Posted by Jornalistas Livres on Saturday, February 23, 2019

Jefferson Pedace, produtor do bloco Gambiarra, um dos maiores da cidade de São Paulo, alerta para a ausência de policiamento nos grandes blocos. Para ele, o fato, junto com a repressão dos pequenos blocos, indica uma tentativa de mudar a percepção do público sobre a segurança do carnaval.

“Eu vejo isso como um mecanismo de reintroduzir um sentimento, uma necessidade da polícia com um outro viés. ‘Você vai para aquele bloco? Tem muito arrastão, não tem polícia’… Eles resolvem dois problemas de uma vez só, mudam a visão autoritária e ditatorial [que as pessoas têm] da polícia e tiram as pessoas da rua”, afirma.

Bloco Gambiarra (Foto: Reprodução)

Além da violência policial, existe também a repressão que parte das pessoas comuns. Jefferson, que também produz um bloco de drag queens, teme por ataques homofóbicos contra o público.

“Eu temo não só por conta da polícia, mas por  pessoas com pensamento retrógrado. Eu tenho, não só a Gambiarra, mas também o bloco das Gloriosas, que é só com drag”.

A quantidade de blocos com temáticas feminista, antirracista e LGBTI+ também é bastante expressiva. Público e organizadores resistem e ocupam as ruas em busca de festa e também de direitos.

Assista abaixo a entrevista concedida por Jefferson Pedace ao DCM: