O caso da turista espanhola: atirar primeiro, perguntar depois. É a isso que chegamos. Por Fernando Brito

Atualizado em 23 de outubro de 2017 às 22:02
O carro da turista e a marca da bala

Publicado no Tijolaço.

POR FERNANDO BRITO

Mesmo antes da entrevista do motorista do carro em que a turista espanhola foi morta hoje, na Rocinha, as imagens mostravam que, atrás de uma van, ele não tinha como ver com clareza que havia um bloqueio policial.

Muito mais do que o tenente da PM, quem matou esta senhora são os responsáveis por transformar uma situação que é evidentemente séria de segurança em um clima de histeria descontrolada. E quem insiste, por exibição e marketing, em operações policiais muito mais dedicadas ao espalhafato do que à eficiência.

“Bloqueio policial”, na era do celular e das redes não vai prender ninguém importante ou apreender armas e drogas em quantidade, senão por muito acaso.

Basta um “batedor” de moto e qualquer “bonde” é desviado se houver “blitz” no seu caminho.

Mesmo nos “bloqueios”, uma passagem estreita, dois tonéis e uma chapa com farpas pontiagudas – que os policiais chamam de “faquir” –  não permitem que não se pare e em qualquer operação planejada há um guarnição adiante. exatamente para estas situações.

Além disso, é evidente a falta de integração entre as polícia turística – o Rio tem um área especializada nosso – e os operadores dos “tours” por favelas que, há vários anos existem e sempre foram saudados pela mídia como uma “integração”, embora muito duvidosa. Eu morei em Santa Teresa, uma região cheia de favelas, e achava deprimentes aqueles jipes de “safári” que vinha mostrar a “selva” aos gringos.

Mas não é só – e nem principalmente – a má qualidade policial destas ações improvisadas que respondem por esta tragédia de repercussão internacional, num país que já está raspando o fundo do poço lá fora.

É a maldita visão de “guerra” que se tem da questão do tráfico, que não é enfrentada com serenidade e eficiência: nas rotas, nas armas, numa visão integrada do problema, na incompreensão de que algum grau de legalização das drogas mais leves, com limites, faria com o comércio bandido.

Até os governos militares entenderam que precisavam de ações como a Loteria Esportiva e a “Quina”, que virou Megassena, para tirar dinheiro dos banqueiros do bicho!

Mas é essa visão estúpida, de que se vai resolver pelo confronto e não pela investigação, fingindo que  não se vê que favelas e periferias afora impera o “arreglo” entre polícia e tráfico, que os homens fardados e pesadamente armados estão à beira de um ataque de nervos, depois de mais de cem assassinatos de policiais apenas este ano?

Fuzil é para ser usado por unidades especializadas, treinadas e retreinadas no controle não apenas da arma, mas também de suas próprias reações e da decisão de disparar.

É inútil e perigoso em áreas adensadas, cheia de transeuntes, porque uma bala de fuzil percorre às vezes perto de 2 km e algumas centenas de metros com força letal absurda.  Mesmo que acerte o “alvo” – se é que tem alvo, porque parte é disparada apenas para intimidar – o trespassa, muda de direção e vira “bala perdida” em potencial.

Não é o primeiro e nem será o último carro alvejado apenas por ser “suspeito” e virou notícia por conta da vítima ser uma estrangeira.

A vítima é estrangeira, mas a histeria demagógica que só ampliou o confronto e a violência são nacionais e está por toda parte.

Tanto que, nos comentários dos sites da grande imprensa, creiam, a culpada é a vítima, que não devia estar ali.  Ali, onde vivem dezenas de milhares de pessoas, que poderiam morrer com o mesmo tiro que matou a espanhola.