O caso dos recibos: incidente de falsidade é julgado improcedente e Moro já sabia desde o início. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 7 de fevereiro de 2018 às 17:02
Um dos famosos recibos

A novela dos recibos de Lula é maisa um que vai para os anais da democracia brasileira.

Leia abaixo o despacho do juiz.

Não podendo afirmar que os recibos são “ideologicamente falsos” sem estar necessariamente afirmando a culpa do ex-presidente Lula, Sergio Moro optou por não concluir o resultado do incidente de falsidade, julgando-o improcedente.

Mesmo após toda a novela que o acompanhou o “incidente”? Sim.

Além disso, ele mesmo já tinha sinalizado que julgaria a improcedência — e faz menção a este fato.

Com isso, fica evidente que Moro está sugerindo que Lula não pagou aluguel. Ou seja, está presumindo a culpa de um dos réus.

É assim que funciona a Lava Jato e você já deveria estar sabendo.

Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Paraná
13ª Vara Federal de Curitiba
INCIDENTE DE FALSIDADE CRIMINAL Nº 5043015-38.2017.4.04.7000/PR

ARGÜENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

ARGUÍDO: LUIZ INACIO LULA DA SILVA

DESPACHO/DECISÃO

Trata-se de incidente de falsidade formulado pelo MPF e que tem por objeto recibos de aluguéis apresentados pela Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva relativamente à ação penal 5063130-17.2016.4.04.7000.

A referida ação penal tem por objeto crimes de corrupção e lavagem.

Entre outros fatos, afirma o MPF, em síntese, que o Grupo Odebrecht teria pago, sistematicamente, vantagem indevida a executivos da Petrobrás e a agentes políticos em contratos da Petrobrás.

Parte da vantagem indevida seria destinada ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula a Silva em uma espécie de “conta corrente geral de propinas”, com o título “Programa Especial Italiano,” e teria sido utilizada para aquisição para o Instituto Lula de um prédio na Rua Haberbek Brandão, 178, São Paulo/SP.

Na mesma oportunidade da aquisição do prédio em questão, parte dos valores teria sido utilizada para custear a aquisição por Glaucos da Costamarques do apartamento 121, n Av. Francisco Prestes Maia, 1.501, em São Bernardo do Campo/SP, sendo tal imóvel ocupado pelo ex-Presidente.

Segundo a denúncia, o ex-Presidente ocuparia o imóvel, sem pagamento de aluguel, tendo Glaucos da Costamarques servido como espécie de pessoa interposta.

No curso da ação penal, mais especificamente no interrogatório judicial, Glaucos da Costamarques declarou que, apesar do contrato de locação, não teria recebido aluguéis desde a celebração do contrato, em 01/02/2011 (evento 1.077 da ação penal). Teria passado a recebê-los somente a partir do final de 2015, na mesma época da prisão cautelar de José Carlos da Costa Marques Bumlai na Operação Lavajato.

Na ação penal, já em fase de instrução complementar, a Defesa do ex-Presidente apresentou recibos de locação (evento 1.088).

Ainda na ação penal (evento 1.118), a Defesa de Glaucos da Costamarques reiterou que o referido acusado somente passou a receber os aluguéis ao final de 2015, mas que teria assinado os recibos. Parte deles teria assinado extemporaneamente, quando estava hospitalizado.

O MPF, em decorrência, apresentou o presente incidente de falsidade (evento 1).

A Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva manifestou-se, afirmando a veracidade dos recibos, e apresentou em Juízo os recibos originais (eventos 6 e 14).

A Defesa de Glaucos da Costamarques também se manifestou no evento 63, juntando cópias de recibos dos aluguéis.

Nestes autos, para instrução, foi ouvido o contador João Muniz Leite e foi reinterrogado Glaucos da Costamarques (eventos 60, 76 e 79).

O MPF culminou por não requerer prova pericial (evento 62).

As partes foram intimadas para suas manifestações finais no incidente.

O MPF, no evento 70, argumentou que os aluguéis não foram pagos e que os recibos são falsos ideologicamente, embora não materialmente. Pede o reconhecimento da falsidade.

A Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, no evento 82, argumentou que oa aluguéis foram pagos e que os recibos são, por consequência, verdadeiros. Argumenta, como preliminar, que o incidente de falsidade não se presta para discutir falsidade ideológica e que, portanto, não deve ele ser admitido.

A Defesa de Glaucos da Costamarques, no evento 83, reiterou que os aluguéis só começaram a ser pagos em novembro de 2015. Alegou que, não obstante, o acusado assinou os recibos de aluguéis que lhe foram apresentados, embora parte deles extemporaneamente.

As demais partes na ação penal, Assistente de Acusação e Defesas de outro acusados, embora intimadas, não se manifestaram no incidente.

Decido.

O incidente de falsidade está previsto no Código de Processo Penal nos arts. 145 a 148 do CPP.

Não há ali nenhuma previsão normativa de que seria cabível somente em casos de falsidade material e, por conseguinte, não manejável para a falsidade ideológica.

Para esclarecer, no falso material, a falsidade é objetiva, como uma assinatura falsificada ou um trecho inserido ou suprimido fraudulentamente de um documento. Normalmente, o falso material é provado através da prova técnica, pericial.

Já no falso ideológico, o documento é materialmente verdadeiro, mas o nele contido não corresponde à realidade. Assim, por exemplo, uma declaração de fato que não ocorreu. Normalmente, o falso ideológico não é aferível através de prova técnica, pericial.

Tanto a falsidade material ou ideológica podem ser levantadas em incidente de falsidade já que a lei não faz distinção.

Entretanto, no caso da falsidade ideológica, se a sua resolução estiver relacionada com o mérito do objeto da ação penal, não pode o incidente ser julgado sob pena do julgador avançar no mérito da ação penal, com violação ainda do contraditório completo na ação penal, o que ocorre somente com o fim da instrução dela e com as alegações finais das partes.

Na instrução do presente incidente, ficou incontroverso que os recibos dos aluguéis não são materialmente falsos. O próprio Glaucos da Costamarques, apesar de afirmar que não recebeu os valores do aluguel, também declarou que assinou os recibos a pedido de Roberto Teixeira e de José Carlos Costa Marques Bumlaiu, ainda que parte deles extemporaneamente.

No contexto, a prova técnica, pericial, mostra-se inútil, como, aliás, este Juízo já havia alertado desde o início (“há dúvida, tratando-se de suposto falso ideológico, quanto à adequação de perícia técnica para a solução da controvérsia”, evento 3). No máximo, ela poderia confirmar que parte dos recibos foi assinada extemporaneamente, mas isso não levaria à conclusão necessária de que os aluguéis não foram pagos.

Já quanto à suposta falsidade ideológica dos recibos, depende a questão da resolução de várias questões de fatos na ação penal, se dinheiro da Odebrecht de fato custeou a aquisição do apartamento, se Glaucos da Costamarques foi ou não utilizado como pessoa interposta e quem falta com a verdade acerca do pagamento ou não dos alugués, Glaucos da Costamarques ou o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

É inviável resolver essas questões no incidente sem aprofundar na valoração de provas e na apreciação do mérito da ação penal e isso só é possível fazer na sentença da própria ação penal, após a finalização da instrução dela, inclusive com as alegações finais das partes.

Portanto, o incidente deve ser julgado improcedente quanto à falsidade material dos recibos e, quanto à falsidade ideológica, a resolução da questão deve ser postergada para a sentença na ação penal.

Ante o exposto, julgo improcedente o incidente de falsidade, uma vez que os recibos de aluguel não são materialmente falsos, e, quanto à afirmada falsidade ideológica, a questão será resolvida na sentença da ação penal.

Intimem-se MPF e Defesas cadastradas no incidente.

Traslade-se cópia desta decisão para a ação penal.

Curitiba, 07 de fevereiro de 2018.