O céu (finito) e o inferno (infinito) de uma paixão neurótica. Por Fabio Hernandez

Atualizado em 22 de janeiro de 2015 às 21:35

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Uma revista masculina americana publicou, há algum tempo, um artigo que era uma espécie de elogio da violência no amor. Não, não. Estou exagerando. O artigo apenas falava como um pouco de guerra entre o homem e a mulher pode, na hora das pazes, resultar num sexo alucinante. (E lá vou eu para mais uma digressão: amo uma passagem do filme O Advogado do Diabo em que o Al Pacino descreve, para o marido traído, o sexo que fez com a mulher deste. Em sua voz tonitruante e cínica, ele diz mais ou menos o seguinte para o marido atormentado: numa escala de 0 a 10, considerando-se que o sexo papai-mamãe que você faz com sua mulher é 3, chegamos a 7.)

Enfim: o tal artigo dizia que, depois da guerra, o sexo podia subir alguns pontos na escala Pacino-Diabo. Havia até algumas evidências supostamente científicas para amparar a tese. Eu pensei o seguinte: pobres dos leitores e leitoras que decidirem testar. Guerra no amor não se controla como uma pipa, para a qual você dá mais linha ou menos linha de acordo com o vento. Dados os primeiros disparos, não há retorno possível.

Os amantes que iniciam uma guerra talvez subam aos céus nas reconciliações sexuais, mas inapelavelmente descerão ao inferno para dali não mais saírem, miseravelmente derrotados. O inferno só vai terminar com o fim da relação. Acabado o romance, se o homem e a mulher estiverem inteiros, o máximo que conseguirão dizer de tantas coisas que viveram juntos é: sobrevivi. E não será pouco. Porque muita gente não sobrevive. Digo fisicamente mesmo. Um dos destinos clássicos da guerra amorosa, como na guerra convencional, é o caixão.

Eu falei acima em teste. Em casais que decidam testar a tese bélica da revista americana. Mas errei. A guerra no amor, como a globalização, não é escolha. É destino. Os tambores já começam a rufar, anunciando a guerra, quando certos homens e certas mulheres nem trocaram ainda o primeiro olhar de flerte. Pode acontecer que ele, o homem, tenha sido, em todos os outros relacionamentos, tão pacífico quanto uma ovelha tibetana. E ela também. Mas, ao se encontrarem, por alguma química estranha, os exércitos se mobilizam. E não demora muito para que alguém aperte o gatilho.

É o amor neurótico em ação. O amor neurótico é generoso como nenhum outro tipo de amor: proporciona momentos inigualáveis, sobretudo no sexo. E é também cruel como um cossaco russo. (Meu Tio Fabio, um homem sábio do interior, é que me contava que não havia nada tão cruel como um cossaco russo. Jamais conferi a veracidade histórica dessa afirmação, mas confio integralmente na sabedoria de meu tio.) Céu e inferno, céu e inferno.

Uma característica essencial no amor neurótico é que ou você pega o pacote todo ou não pega nada. Não dá para ficar com a parte boa e desprezar a ruim. Infelizmente, é impossível ter sexo com alta nota na escala Pacino-Diabo e, ao mesmo tempo, assistir de mãos dada à novela das 8 comendo pipoca. A fraternidade é uma impossibilidade científica no amor neurótico.

Uma outra característica vital do amor neurótico é que, no princípio, o êxtase predomina sobre a fúria. Há muito céu e pouco inferno. Aos poucos, numa marcha perversa e inexorável, a ordem vai se invertendo. Cada vez mais inferno, cada vez menos céu. No último estágio, do céu resta apenas recordações, mais e mais difusas. Você mal acredita que um dia as coisas andaram bem, tão destruidora a relação se tornou. É tempo de encerrar. Isto é, se você ainda estiver vivo para cair fora. Eu quase ia dizendo, pueril e inútil: fuja, fuja do amor neurótico enquanto há tempo. Mas não adianta: você é capturado muito antes de se dar conta de que se trata de um amor neurótico. Então termino dizendo apenas a quem está vivendo ou vai viver uma paixão dessas: boa sorte.