O coronel Paulo Malhães poderá ser perdoado?

Atualizado em 26 de abril de 2014 às 11:44

paulo malhães

 

De mortuis nihil nisi bonum.

Dos mortos, não faleis senão bem, diziam os latinos. Essa é a nossa reação tradicional à morte de alguém.

Mas e quando se trata do tenente-coronel Paulo Malhães, ex-agente do Centro de Informações do Exército, asfixiado em sua casa na Baixada Fluminense com todos os sinais de queima de arquivo? Ninguém, ao que se saiba, lamentou sua morte — que, aliás, foi comemorada.

Malhães é o sujeito que, em seu depoimento à Comissão da Verdade, mês passado, afirmou o seguinte:

. “Naquela época, não existia DNA. Quando você vai se desfazer de um corpo, quais partes podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária e digitais. Quebrava os dentes. As mãos, [cortava] daqui para cima [referia-se às falanges]”.

. “A tortura é um meio. Se o senhor quer saber a verdade, o senhor tem que me apertar”

. “Tantas quanto foram necessárias” [sobre quantas pessoas matou]

. “Difícil dizer, mas foram muitos” [sobre quantas torturou]

Finalmente, sua resposta sobre se tinha alguma arrependimento: “Não”.

Malhães merece perdão? Sua morte deve ser comemorada? Ele tem família. Sua filha, aliás, contou que não sabia dos crimes do pai. A viúva estava presente no ataque ao marido.

Mas quem está sendo julgado não é apenas Malhães, e sim o que ele representa.

Trabalhou na Casa da Morte (seu codinome era Dr. Diablo), o centro clandestino de tortura e assassinatos da ditadura em Petrópolis, estado do Rio. A única sobrevivente, com várias sequelas, é a ex-militante da organização VAR-Palmares Inês Etienne Romeu.

Não pode existir nada de errado com a aversão a alguém cujo poder foi usado para a aniquilação. Isso não se altera com sua morte. A maldade de Malhães vai sobreviver a ele.

No livro “The Sunflower” (“O Girassol”), Simon Wiesenthal aborda a questão do perdão a partir de uma passagem durante seus dias no campo de concentração.

Wiesenthal fazia a limpeza de um hospital de campanha quando uma enfermeira alemã pediu-lhe que a seguisse até um quarto onde um soldado da SS estava agonizando. Karl queria um judeu para confessar as atrocidades que cometera. Numa conversa de horas, fez o relato de como seu destacamento prendeu 300 pessoas numa casa e a incendiou. Seu grupo ouvia impassível os gritos.

Karl era assombrado pela imagem do menino de 6 anos que executou. Wiesenthal sugerou-lhe a mão, espantou as moscas, deu-lhe água. Karl pedia, agora, perdão. “Sem sua resposta, não poderei morrer em paz”, diz o nazista. Wiesenthal saiu do quarto em silêncio.

“Esquecer é algo de que apenas o tempo se encarrega, mas o perdão é um ato de vontade, e só quem sofre está qualificado para tomar a decisão”, escreve Wiesenthal. “Você consegue trocar de lugar comigo mentalmente e se fazer esta pergunta crucial: O que eu teria feito?’”.