O coronel Telhada é a cara de São Paulo?

Atualizado em 31 de outubro de 2014 às 9:27

revolucao32

 

Na peça de Shakespeare “A Tempestade”, Próspero vai parar numa ilha onde encontra uma criatura monstruosa, Calibã, e a liberta. Um bruto, ressentido da dívida que tem com Próspero, a certa altura Calibã fica furioso ao ver sua deformidade refletida. Calibã culpa o espelho por mostrar-lhe sua alma escura.

Quando São Paulo se olha no espelho, enxerga o coronel Telhada?

As multidões de paulistas que estão xingando o Nordeste e deblaterando sobre a derrota da civilização pela barbárie: quando miram o espelho, vêem o coronel Telhada com sua farda?

Telhada foi eleito deputado estadual com 254 mil votos, vice-campeão no estado, perdendo apenas para o promotor Fernando Capez.

Sua folha corrida é de dar gosto. Entre maio de 2009 e novembro de 2011, chefiou a Rota. Sob sua administração, o número de mortes aumentou em 63,16% com relação ao período anterior. Foram 114 cadáveres, oficialmente.

São 29 processos judiciais e militares arquivados. É um Datena da vida real. Fala a torto e a direito em “vagabundos” e se orgulha de não saber, ao certo, quantos executou pessoalmente. Só que eles mereceram.

Evangélico, foi acusado de contratar dois financiadores de campanha para o gabinete quando vereador. Em 2012, o repórter André Caramante, da Folha, publicou uma matéria sobre sua “pregação de violência” no Facebook. Ameaçado de morte, Caramante teve de passar um tempo fora do país.

Nos dois últimos dias, Telhada brilhou nas redes sociais. Afirmou que “o Sul e o Sudeste deveriam iniciar o processo de independência de um país que prefere esmola do que o trabalho, preferem a desordem ao invés da ordem, preferem o voto de cabresto do que a liberdade”.

Pregou que os estados devem poder “administrar sua própria arrecadação e inclusive terem condições de legislar sobre si próprios, adaptando as leis existentes às necessidades de cada Estado”.

“Por que devemos nos submeter a esse governo escolhido pelo Norte e Nordeste?”, pergunta. “Eles que paguem o preço sozinhos”.

Telhada sente muito pelo Brasil. “Reclamam tanto da ditadura militar, mas em meus 53 anos de idade não lembro de prédio da imprensa ser atacado por seguidores de um partido político, não lembro de revista de grande circulação ser recolhida e impedida de ser vendida… (…) Isso não é ditadura??? E quanto ao doleiro Youssef que estava internado em Curitiba, como ficou a situação dele??”

É um samba tão atravessado que fica difícil por onde começar. A xenofobia, o preconceito, a burrice — a lista de absurdos é longa. O que o paulista precisa admitir é que o fascismo de Telhada é tão característico de São Paulo quanto a célebre garoa.

Com uma diferença: se a garoa ficou num tempo distante, no folclore, Telhada, o nosso Calibã, existe e está aqui. A questão é o que fazer com isso daqui por diante.