O covarde e estúpido ataque da direita ao PSOL na tragédia do Museu Nacional. Por Mauro Donato

Atualizado em 6 de setembro de 2018 às 11:50
Museu Nacional em chamas. Foto: AFP/STR

A melhor defesa é o ataque. Cientes de que o teto de gastos imposto pelo governo Michel Miguel tem conexão direta com o incêndio no Museu Nacional, setores da direita passaram a atacar o PSOL, culpando o partido pela tragédia. O motivo? O reitor da UFRJ, Roberto Leher, é filiado à legenda. Daí brotaram as teorias mais estapafúrdias, os boatos ou simples acusações sem nenhum lastro. E, claro, as sugestões de privatização.

Da categoria ‘acusações gratuitas e sem comprovação alguma’, vieram as falas de Jair Bolsonaro: “É gente filiada ao PSOL. A indicação política leva a isso”; de Merval Pereira, que foi na linha bozo: “Isso é resultado do aparelhamento, por conta de coligações”; ou de Ana Amélia, vice de Alckmin, que estava sendo entrevistada pelo mesmo Merval e disparou: “O caso do incêndio do Rio de Janeiro tem a ver, sim, com esse partido.”

‘Tem a ver’ significa o quê? Que dados, que provas ela (que pertence ao partido com o maior número de envolvidos em caso de corrupção) teria para apresentar? Nada. Não disse mais nada. Politizou a questão para criticar a politização?

Leandro Narloch, não deixou dúvidas que é isso mesmo: “O leitor me perdoe, mas é preciso politizar a tragédia”, escreveu ele em sua coluna intitulada “Não convém deixar o PSOL administrar museus”, para em seguida responsabilizar com veemência o reitor Roberto Leher. Foi um desfilar de parágrafos arrogantes. 

“Textos recentes do reitor ainda preservam o vocabulário anterior à queda do Muro de Berlim”, provocou Narloch que demonstrou indignação por Leher ter reclamado da demora em iniciar o combate ao fogo (algo admitido pelos bombeiros devido a falta d’água nos hidrantes) e extravasou sua verve liberal ao culpar o reitor, inclusive, pela falta de recursos: “Ora, se um reitor percebe que o dinheiro para a segurança de um museu não vem e não virá, e que reclamar não produz resultado, então precisa se render à realidade e buscar outras formas de financiamento.” 

Não é uma graça? Cuidado com seu discurso, Narloch. No dia que seu salário não for depositado, não reclame do patrão que lhe der uma resposta similar.

E o cerco ficou ainda mais intenso ontem. Banqueiros do Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Safra, BTG Pactual, Safra, acompanhados do presidente da Febraban, reuniram-se com Temer e prometeram liberar algum dinheiro para a reconstrução do museu somente se o reitor for demitido. 

Afirmaram que Leher não tem competência para tocar algo tão importante como o Museu Nacional e que o ideal seria entregar a administração a uma Organização Social (OS). Nunca colocaram os pés lá (se colocaram e viram como estava, não se prontificaram com antecedência para ajudar) e agora sugerem entregar para OSs? Apenas 3 dias após tudo virar cinzas aparece dinheiro e discurso privatista e a suspeita deve recair sobre quem mesmo?

Já o Antagonista, aquele site que tem como sócia uma consultoria que responde a processo na CVM e cujo fundador foi preso pelo FBI, ecoou O Globo e elencou uma série de números e informações sobre o Museu Nacional, semelhante às mensagens de whatsapp que pipocam desde a noite fatídica. 

Lê-se ali que o repasse de verbas à UFRJ cresceu ao invés de reduzir e que se, por sua vez, os repasses da UFRJ ao museu não acompanharam é porque o reitor é do PSOL. O site ainda cita que Guilherme Boulos foi “um dos primeiros a tentar aproveitar o caso eleitoralmente, culpando os ‘cortes do governo Temer’”, e pede: “A imprensa precisa parar de tratar Leher e seu partido como vítimas do incêndio no museu e cobrá-los pelo que são: corresponsáveis pela tragédia.”

A turma que votou favoravelmente pela PEC 241, aquela que limitou os gastos do governo pelos próximos 20 anos, busca urgentemente culpar ao reitor e a um partido para desviar o foco de algo que já trouxe em rede nacional suas consequências.

O próprio Ministério Público Federal emitiu – já na segunda-feira – uma nota através do Grupo de Trabalho Patrimônio Cultural que dizia o seguinte: “O congelamento dos orçamentos dos órgãos públicos, agravado em 2016 pela aprovação da emenda constitucional, já imobilizava o devido cuidado com o importantíssimo acervo e imóvel, irrecuperáveis”.

Com relação ao cargo de reitor em universidades federais é preciso esclarecer. Quem nomeia reitor e vice-reitor é o presidente da República. Pode escolher um entre três indicados. Em 2015, quem nomeou Leher foi Dilma, acatando o desejo da maioria da comunidade acadêmica da UFRJ. Ele era disparado o mais votado por seus pares. Portanto, nenhum alinhamento ideológico entrou em jogo. 

Aliás, como bem ressaltou a Carta Capital, ‘talvez seja mais coerente falar em aparelhamento quando o reitor nomeado não foi aquele quem mais recebeu votos da comunidade acadêmica. Em 2009 João Grandino Rodas foi nomeado por José Serra, para assumir a reitoria da USP. Ele foi o segundo colocado na lista tríplice elaborada pela universidade, mas Serra preferiu escolhê-lo ao afirmar que “não conhecia bem” o mais votado dos candidatos, o físico Glaucius Oliva. No fim de sua gestão, em 2014, Rodas deixou um déficit de 1 bilhão de reais nas reservas da USP.’

A agência Eté Checagem (www.etechecagem.com), que monitora diariamente a Folha, Estado, Globo e Valor, averiguou e publicou as informações que contradizem todos os boatos que andam circulando a respeito da tragédia – muitos deles utilizados como munição da direita nesses ataques. Toda checagem cita as fontes:

É BOATO: BNDES não repassou R$ 52 milhões à UFRJ para investimento no Museu Nacional em 2018

Circulam nas redes sociais boatos e falsas informações sobre verbas que a Universidade Federal do Rio de Janeiro teria recebido para reformas e preservação do Museu Nacional, incendiado na noite do último domingo (2). Com a chamada “BNDES disponibilizou 52,5 milhões para o museu destruído pelo fogo”, as mensagens afirmam que a UFRJ recebeu, em mãos, “R$ 52.500.000,00 para preservação do patrimônio nacional”, sendo “vinte e oito milhões e quinhentos mil reais no primeiro semestre mais vinte e quatro milhões”.

*A VERDADE: PRIMEIRA PARCELA DO BNDES CHEGARIA EM OUTUBRO*

O BNDES assinou, em junho deste ano, um contrato no valor de R$ 21,7 milhões, com recursos da Lei Rouanet, para o plano de investimento de revitalização do Museu. Os recursos, no entanto, ainda não tinham sido liberados. A primeira parcela, no valor de R$ 3 milhões, estava prevista para ser enviada em outubro de 2018 e o prazo total previsto para repasse da verba seria de 4 anos. Esses R$ 21 milhões correspondem à terceira fase do plano de investimento, mas as duas fases anteriores não contaram com recursos do Banco. A fase previa justamente a elaboração e implantação de um projeto de combate a incêndios. Veja a nota oficial do BNDES: https://bit.ly/2Q1sqsD

*ORÇAMENTO DA UFRJ*

O Museu Nacional é vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O Ministério da Educação não possui linha de financiamento para museus e prédios tombados e, por isso, todos os investimentos são feitos com recursos próprios da UFRJ. O repasse anual previsto para o Museu era de R$ 550 mil, mas desde 2014 o valor total não era atingido. 

Em 2015, as verbas da União autorizadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias para a UFRJ foram de R$ 341 milhões para o seu custeio e investimentos. No entanto, desse total, R$ 53 milhões não foram liberados. Em 2018, esse orçamento caiu para R$ 282 milhões, com mais contingenciamentos anunciados. As verbas para investimentos caíram de R$ 51 milhões, em 2016, para R$ 6 milhões em 2018. Veja artigo do Reitor da UFRJ, Roberto Leher, publicado no Jornal do Brasil em 15 de agosto: https://bit.ly/2ojie1V

As contas públicas da Universidade estão disponibilizadas em: https://bit.ly/2CfAvHi

*UNIVERSIDADES E PARTIDOS POLÍTICOS*

Outro dos boatos que circula nas redes sociais diz que “R$ 52.500.000,00 é o valor dado em mãos para militantes do PSOL e do PCdoB preservarem patrimônio nacional”. Além de o valor jamais ter sido repassado à UFRJ, a associação da gestão orçamentária aos partidos é falsa. A atual Reitoria da UFRJ foi eleita em maio de 2015, através de voto direto da comunidade acadêmica. A chapa “UFRJ Autônoma, Crítica e Democrática” venceu o segundo turno da pesquisa eleitoral na universidade, com 13.377 votos, sendo 9.538 de alunos, 2.706 de técnicos-administrativos e 1.133 de professores. O Colégio Eleitoral formalizou o resultado, seguindo o Estatuto da UFRJ. Quatro conselhos superiores compõem a estrutura administrativa da universidade: o Conselho Universitário (Consuni), o Conselho de Curadores, o Conselho de Ensino de Graduação (CEG) e o Conselho de Ensino e Pesquisa para Graduados (Cepg). A gestão da UFRJ é conduzida pelo Reitor, a Vice-Reitora, e mais uma estrutura institucional composta Chefia de Gabinete, Assessoria do Gabinete, Procuradoria Federal, Coordenadoria de Comunicação Social, Diretoria de Relações Internacionais, Sistema de Arquivos, Divisão Gráfica, Auditoria Interna, Ouvidoria Geral, Secretaria de Órgãos Colegiados, Comissão Permanente de Pessoal Docente, Coordenação de Cerimonial e Equipe de Secretaria Administrativa. Além disso, sete Pró-Reitorias coordenam áreas específicas: Graduação, Pós-Graduação e Pesquisa, Planejamento e Desenvolvimento, Pessoal, Extensão, Gestão e Governança e Políticas Estudantis. A vinculação do exercício político individual de alguns dos integrantes dessas equipes à gestão orçamentária da UFRJ insinua um controle dos partidos políticos a essa estrutura autônoma. Cabe destacar que a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 17, estabelece a livre criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. É livre, portanto, o direito democrático de filiação individual a partidos políticos no Brasil. https://bit.ly/1dFiRrW