O crescimento da direita na América Latina. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 1 de setembro de 2025 às 8:38
Tarcísio de Freitas, Javier Milei e Jair Bolsonaro, representantes da direita latino americana. Reprodução

POR ALDO FORNAZIERI, professor da Escola de Sociologia e Política e autor de “Liderança e Poder”

Os processos eleitorais em vários países da América Latina indicam a tendência de crescimento de governos de direita e de extrema-direita. Essa tendência é evidenciada pelas últimas eleições presidenciais em El Salvador, Argentina, Costa Rica, Panamá, Equador, Paraguai e Bolívia. A vitória de Trump nos Estados Unidos, em 2023, vem se tornando um elemento catalizador da direita nas Américas e impulsiona ainda mais essa tendência.

A direita poderá ampliar sua força com as eleições no Chile em novembro/dezembro. Embora a candidata do Partido Comunista, Jannette Jara, lidere com pequena vantagem nas simulações de primeiro turno, ela seria derrotada pelo candidato direitista José Antônio Kast, nas simulações de segundo turno, por uma diferença de 11 pontos. Outra eleição crucial para determinar os rumos desse jogo, são as eleições colombianas que acontecerão em maio de 2026. Miguel Uribe, candidato de centro-direita que vinha liderando as intenções de voto, foi morto a tiros. As projeções continuam sendo negativas para os candidatos de esquerda.

Vários fatores explicam a configuração e o fortalecimento da tendência direitista. O primeiro deles está relacionado às consequências da pandemia. Os governos pandêmicos e imediatamente pós-pandêmicos sofreram essas consequências: Biden, Fernandes, Iván Duque/Gustavo Petro, Sebastián Piñera/Boric, Bolsonaro e Luis Arce são alguns exemplos de governos imbricados com a pandemia e suas consequências, que sofreram ou vêm sofrendo dificuldades de desempenho. Claro que em cada um deles há um conjunto de singularidades agregadas que potencializam os aspectos negativos. López Obrador foi uma exceção no México.

Ocorre que a pandemia agravou as dificuldades sociais e econômicas, aumentando as desigualdades e provocando um quadro de inflação e juros altos, de desemprego e de baixo crescimento. A pandemia também agravou a crise de representatividade, aprofundando o distanciamento entre o sistema político e os partidos em relação às suas bases sociais e eleitorais.

A rigor, as desigualdades vinham se agravando há mais tempo, com tendências crescentes após o ciclo de boom das commodities. Nesse processo surgiram novas tendências de políticas de esquerda que imprimiram maior destaque a políticas de inclusão a setores identitários como gênero, raça e outros grupos discriminados. Essas políticas foram e são importantes, mas, em certo sentido, houve um enfraquecimento das políticas universalizantes, orientadas para o conjunto dos segmentos mais necessitados das maiorias sociais das periferias e das classes médias baixas.

As democracias mostraram-se incapazes de resolver os problemas das maiorias sociais. As elites econômicas e políticas, por seu turno, foram se apropriando dos orçamentos públicos, agravando o desprestígio das instituições e reforçando as tendências antipolíticas e antissistêmicas.

Foi nesse contexto que a extrema-direita vislumbrou a oportunidade de se colocar de forma mais agressiva no cenário político. O Brexit e a primeira vitória de Trump, em 2016, deram a largada para a potencialização das estratégias direitistas. Essas estratégias priorizaram o uso midiático das redes digitais com discursos agressivos, a propagação do ódio, a exploração segmentada dos medos dos grupos sociais específicos, a manipulação das emoções, o impulsionamento do radicalismo ideológico com retórica religiosa e a exploração de valores conservadores e tradicionalistas.

Esses poderosos coquetéis persuasivos e explosivos combinaram-se com discursos antissistema que capturaram significativos segmentos da juventude e de trabalhadores, que já estavam desencantados com os partidos de centro e de esquerda. A tecnopolítica da direita projetou influenciadores e novos líderes políticos que conquistaram cadeiras nos parlamentos, venceram cargos executivos e elevaram os patamares eleitorais dos partidos radicais.

Em contrapartida, as esquerdas mergulharam no defensivismo político. Despreparadas para a política digital, sem narrativas potentes capazes de disputar emoções, com discursos formalistas, perderam não só a capacidade persuasiva, mas ficaram na condição de defensoras de um sistema em crise. Somente agora surgem sinais de que as esquerdas começam a equilibrar esse jogo.

Outro fator conexo aos já citados, diz respeito ao problema da segurança pública. A América Latina aparece como a região mais violenta do mundo, com o crescimento do crime organizado, do narcotráfico, das milícias e da violência social. A violência e a falta de perspectivas fizeram aumentar o fenômeno dos deslocamentos e da imigração, elementos que reforçaram a reação da direita norte-americana.

Os governos progressistas foram pouco eficazes e efetivos no enfrentamento do problema da violência e do crime organizado. Isto abriu espaço para o crescimento da retórica do bukelismo caracterizada pela defesa de governos autoritários, prisões em massa, suspensão de direitos civis, chacinas em prisões e repressão aos jovens.

O governo Trump se tornou a retaguarda e a ponta de lança para o crescimento da direita na América Latina. Além de buscar recuperar a hegemonia perdida, Trump quer afastar os países da região da esfera de influência, principalmente comercial, da China. O deslocamento de força militar para a costa da Venezuela é um aviso para toda a região. O combate ao narcotráfico parece ser o novo/velho expediente para justificar ações mais agressivas em países que, por um motivo ou por outro, são áreas de interesse do governo norte-americano.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Foto: Reprodução

Com esse cenário, o Brasil torna-se o epicentro da encruzilhada em que se encontra a América Latina. Se o Brasil cair nas eleições de 2026, a região se transformará no maior triunfo de governos de direita e extrema-direita desde as ditaduras militares. Se Lula for candidato e vencer, haverá um equilíbrio de forças na região, tendo no Brasil e no México um contrapeso ao crescimento da direita.

Existem dois outros eventos que podem bloquear o avanço da direita nas Américas: as eleições legislativas na Argentina em outubro deste ano e as eleições parlamentares de meio de mandato nos Estados Unidos em novembro de 2026. Se Javier Milei e Trump não conseguirem maiorias parlamentares terão travas significativas na estratégia expansionista em seus países e na região.

A associação da família Bolsonaro ao governo Trump para agredir o Brasil com tarifas injustificáveis, atacar a sua soberania e punir membros do STF, somada ao julgamento dos atos golpistas, dão ao governo Lula e ao campo progressista uma oportunidade extraordinária para derrotar a direita e a extrema-direita nas eleições de 2026.

No entanto, persistem riscos. É preciso notar que Yamandú Orsi venceu com uma frente ampla no Uruguai, assim como Claudia Sheinbaum venceu com Movimento de Regeneração Nacional (Morena), que também é uma frente, no México. O governo Lula precisa consolidar e ampliar o processo de sua recuperação com políticas inclusivas, redução das desigualdades, aprovação de projetos de interesse popular a exemplo isenção do IR e defesa da democracia. Os partidos progressistas precisam ser mais engajados na luta política, exigindo punição aos golpistas e sem anistia.

Trump gerou escalada até ameaça de prisão a Bolsonaro - 23/07/2025 - Poder - Folha
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao lado de Eduardo e Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução