O desgaste nas Forças Armadas com julgamento de militares golpistas, segundo comandantes

Atualizado em 13 de setembro de 2025 às 12:40
O advogado Celso Vilardi e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Gustavo Moreno/STF

A condenação inédita de Jair Bolsonaro e de generais da cúpula militar por tentativa de golpe de Estado abriu uma ferida que o discurso de “página virada” das Forças Armadas não consegue esconder. Nos bastidores, comandantes já admitem que novos desgastes virão com o cumprimento das penas e com o julgamento, pelo Superior Tribunal Militar (STM), sobre a perda de patentes. O episódio é visto como um divisor de águas para a relação entre caserna e democracia. As informações são do Globo.

Além do ex-presidente, condenado a 27 anos e 3 meses, três generais — Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto — e o almirante Almir Garnier Santos foram sentenciados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O tenente-coronel Mauro Cid, beneficiado por delação premiada, recebeu pena de dois anos em regime aberto. A situação de Bolsonaro, no entanto, é a que mais preocupa, com resistência de setores do Exército à possibilidade de ele cumprir pena em unidade militar.

Segundo interlocutores, o comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, avalia que abrigar Bolsonaro em quartel seria “levar a política para dentro da Força” e reacender tensões internas. O temor é de que o cenário estimule mobilizações externas de apoiadores, a exemplo do acampamento montado por petistas em Curitiba durante a prisão de Lula em 2018. A cúpula militar já deixou claro que não toleraria estruturas semelhantes nas proximidades de quartéis.

Bolsonaro. Foto: Reprodução

O Estatuto dos Militares determina que condenados cumpram pena apenas em unidades comandadas por superiores hierárquicos, o que gera impasse no caso dos generais quatro estrelas. Em Brasília, o Exército dispõe de 20 alojamentos de Estado-Maior, mas a palavra final será do relator Alexandre de Moraes após o trânsito em julgado. Mesmo que fiquem temporariamente nessas instalações, os oficiais poderão enfrentar punição ainda mais dura no STM.

Caberá ao Ministério Público Militar apresentar representação por “indignidade” ou “incompatibilidade” para que o STM decida se os condenados perderão postos e patentes. Essa será a primeira vez que generais do topo da carreira enfrentarão julgamento no tribunal militar. A perda de patente implica não apenas a exclusão das fileiras, mas também o fim do soldo, benefício que antes era transferido a familiares e que o Tribunal de Contas da União (TCU) já determinou encerrar.

Para especialistas, o episódio sinaliza que a Justiça brasileira deixou de tolerar o intervencionismo militar que marcou a história republicana. A cientista política Maria Tereza Sadek, da USP, destaca que o julgamento não atingiu a instituição Forças Armadas, mas indivíduos que traíram a missão constitucional.

O historiador Carlos Fico, da UFRJ, afirma que o recado foi dado: “É mais importante a condenação dos generais do que a do próprio Bolsonaro, porque mostra que o ciclo da impunidade militar pode estar chegando ao fim”.