O despreparo de Moro para suceder Celso de Mello. Por Marcelo Auler

Atualizado em 1 de março de 2019 às 13:43
Sérgio Moro. Foto: Isaac Amorim / MJSP

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BLOG DO JORNALISTA MARCELO AULER

Por Marcelo Auler

A História revelará um dia o “acerto” que o então juiz Sérgio Moro, que se apresentava como exemplo de coerência, terá feito com o então candidato Jair Bolsonaro, ao abandonar a magistratura para assumir o ministério da Justiça.

Somente o tempo confirmará a versão de que o magistrado de primeira instância, ao se incorporar a um presidente nitidamente despreparado, intolerante e faccioso, pretendeu pular etapas para chegar rapidamente a um cargo vitalício na mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal (STF).

A se confirmar tal “acerto”, a Moro está reservada a cadeira do ministro Celso de Mello. Será o primeiro a se aposentar compulsoriamente, aos 75 anos, em novembro de 2020, após 31 anos na corte (ingressou em agosto de 1989). Três décadas em que, independentemente de posições assumidas, construiu carreira digna e coerente, que lhe garante hoje a reputação que desfruta.

Em apenas dois meses de governo, Moro já conseguiu marcar sua nítida diferença de conduta com aquele que supostamente deseja substituir. Afinal, dignidade e reputação se conquistam ao longo de toda uma vida. Celso de Mello, conservador ou não, conquistou-as. Fale-se dele o que se quiser, menos que lhe falta coerência, algo fundamental para atingir a dignidade, a reputação e o respeito.

Coerência que Moro começou a atropelar ao aceitar um convite de um ainda candidato que ele indubitavelmente ajudava a vencer ao prender seu principal concorrente, através de uma sentença totalmente questionável.

Como ministro da Justiça, em apenas 60 dias, acumulou fatos que demonstram sua despreocupação com a reputação que conquistara entre os seus, atropelando a coerência que se exige daqueles que se apresentam como vestais da moralidade.

Ocorreu com a liberação das quatro armas por residência, que ele antes defendia serem no máximo duas.

Repetiu-se no dito “perdão” ao colega de ministério, Ônyx Lorenzoni, por duas vezes flagrado recorrendo ao Caixa-2.

Voltou a acontecer no seu silêncio diante das provas de movimentações financeiras atípicas em torno do primogênito do presidente, o hoje senador Flávio Bolsonaro.

Silenciou-se ainda ao surgir o “laranjal” que abasteceu as campanhas dos partidários de Bolsonaro, incluindo novamente um colega de ministério, Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo.

Como se não bastasse, desmentiu a si mesmo ao se deixar pressionar e retirar do seu projeto de lei a criminalização do “Caixa 2 nas campanhas, bandeira que sempre empunhou ao lidar com os adversários dos seus hoje aliados.

Surge agora o “desconvite” feito na quinta-feira (28/02), à cientista política Ilona Szabó, 24 horas depois de tê-la chamado para compor o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ao anunciar a decisão – imposição que os jornais dizem ter lhe sido feita por Bolsonaro -, Moro, como se buscasse uma espécie de remissão, reafirmou publicamente os “relevantes conhecimentos da nomeada na área de segurança pública” que justificaram o convite feito. Sequer escondeu ter cedido à “repercussão negativa em alguns segmentos”. Entenda-se, os bolsonaristas da extrema direita e das redes sociais.

Com esta demissão (ou “desconvite) o suposto guardião moral da República de Curitiba novamente deixou de lado qualquer preocupação com a coerência. Sinalizou claramente que os interesses políticos do grupo ao que se aliou superam a dita preocupação com o futuro do país. Ao mesmo tempo demonstrou que na pasta que comanda, a competência não é o fator primordial. Aderiu ao chamado pensamento único, que não admite, sequer em um conselho, portanto, um colegiado, pessoas com ideias e propostas divergentes.

Definitivamente chancelou a diferença da sua conduta com a do decano do Supremo que, segundo consta, almejaria substituir. Sua atitude nesta quinta-feira rendendo-se às pressões sofridas pela matilha, selou de vez a distância que o separa de uma carreira onde sobressaia a dignidade.

Em posição diametralmente oposta, Mello, na quarta-feira, 20 de fevereiro, ao proferir o já histórico voto a favor da criminalização da homofobia (Homofobia, STF, Bolsonaro, Congresso. E o Lula?), demonstrou seu desprezo ao aplauso fácil em nome da coerência em posicionar-se a favor das minorias. Acentuou, inclusive, ter consciência de que remava contra a maré. Por isso admitiu que seria “inevitavelmente incluído no índex, mantido pelos cultores da intolerância.”

Apesar dessa “convicção”, não abriu mão de seus princípios e posicionamentos, como tem feito o ministro da Justiça. Ao contrário, fez questão de criticar/denunciar aqueles de “mentes sombrias, que rejeitam o pensamento crítico, que repudiam o direito ao dissenso, que ignoram o sentido democrático da alteridade e do pluralismo de ideias, que se apresentam como corifeus e epígonos de sectárias doutrinas fundamentalistas, desconhecem a importância do convívio harmonioso e respeitoso entre visões de mundo antagônicas“.

Exatamente os mesmos que compõem a “matilha” à qual Moro cedeu, nesta quinta-feira. Atitude com a qual demonstrou a sua falta de coragem em manter-se coerente a seus posicionamentos e pensamentos. Exatamente uma das exigências para se conquistar a reputação como a que o decano do STF desfruta.

Gesto suficiente para, em uma sociedade ética, afastá-lo de vez do cargo que almeja. Afinal, demonstrou lhe faltar estofo para substituir o atual ocupante daquela cadeira no plenário do Supremo.