O detox ideológico de Bolsonaro feito por Sardenberg, escalado para normalizar a violência na Globo. Por Tiago Barbosa

Atualizado em 8 de outubro de 2018 às 16:11
Sardenberg

A primeira reação da mídia hegemônica no rescaldo da onda eleitoral conservadora apavora a democracia.

Ensaia-se o abrandamento – impossível – do fascismo inerente à candidatura de Jair Bolsonaro e se reforça a narrativa de um país contra um combalido PT, caracterização repelida pela força do partido ao eleger a maior bancada de deputados e, no mínimo, três governadores.

O movimento midiático tenta desinfetar a extrema-direita das bandeiras nefastas aos padrões básicos da civilização do século 21 para aderir sem culpa ao bolsonarismo e aprofundar o retrocesso imposto ao país goela abaixo pelo condomínio do golpe de Michel Temer.

A guinada final esconde, claro, o naufrágio eleitoral dos artífices da ruptura democrática de 2016 – PSDB e MDB encolheram à mediocridade representativa e viraram nono e quarto escalão da Câmara Federal – e minimiza a resistência liderada por um ex-presidente preso, silenciado e condenado sem provas contra um sistema jurídico-jornalístico cuja razão de viver é o ódio usado de base ao discurso de Bolsonaro.

A pregação de Carlos Sardenberg, porta-voz global na CBN nesta segunda, dia 8, é o sintoma mais evidente da aquiescência midiática ao fascismo.

Na manhã seguinte ao primeiro turno, ele usou a palavra radical para se referir não a quem compara negros a animais, gays a doentes e quer o fim de “ativismos” – mas, sobretudo, a Lula e ao PT.

Atribuiu a votação ao partido ao “radicalismo”, chamou de “gueto radical” a posição do ex-presidente – a despeito do reconhecimento de populações mais humildes beneficiadas por políticas sociais – e enalteceu o desempenho de Bolsonaro por ter “muitos votos”.

O detox ideológico passou por minimizar – contra todas as evidências – o caráter violento da militância bolsonarista ao afastar o vínculo entre a ascensão do candidato e o armamentismo ou a intolerância contra minorias.

“Não se pode dizer que o eleitor de Bolsonaro quer comprar uma arma. Nem que são todos fascistas ou apoiam a guerra contra homossexuais”, afirmou.

O verniz não resiste à realidade. Durante a votação do domingo, proliferaram vídeos na internet de eleitores do candidato com armas nas urnas – se falsas ou não, as imagens comprovam a imagem belicista do ultradireitista.

Na saída de uma zona de votação, no Recife, uma jornalista foi agredida fisicamente e ameaçada de estupro por dois homens – um deles com camisa de Bolsonaro.

“Riquinha de esquerda”, eles disseram. Em Salvador, um mestre de capoeira de 63 anos foi morto com 12 facadas em discussão com bolsonaristas após anunciar ter votado no PT.

Outras imagens circularam pelas redes sociais com episódios de hostilidade a pessoas contrárias ao candidato cujo símbolo são duas armas apontadas para o alto – sob a indiferença costumeira do TSE.

Mas o colunista da CBN menospreza a agressividade contida no seio da extrema-direita e, de certa forma, penaliza o ativismo – contra o qual, vale dizer, o próprio candidato faz questão de se insurgir.

Muita gente quer dizer que as imposições do estado na agenda progressista são exageradas, e a maior parte dos costumes deve ser deixada individualmente”, observou, como se o dever do estado de zelar pelo respeito a questões identitárias se tratasse de capricho ideológico de esquerdista.

A ladainha anti-PT encontra eco no editorial de O Globo, para quem o partido paga um “preço pela corrupção e pela ruína econômica”, e no Estadão, preocupado com “uma escolha muito difícil” no segundo turno.

São reflexos da própria narrativa midiática de demonização do partido massacrado no noticiário por mais de uma década, derrubado da presidência por um golpe, perseguido seletivamente pelo Judiciário (o timing de Moro com a delação de Palocci é só um exemplo) e expropriado do principal líder.

A adesão incondicional ao antipetismo tem cegado a razão jornalística e deformado o dever da mídia diante da bifurcação civilizatória à frente do Brasil – o próprio Sardenberg já classificou de fake news uma decisão incontestável da ONU a favor de Lula em meio a uma eleição marcada pelo uso estratosférico de notícias falsas pela trupe de Bolsonaro.

Veículos internacionais já identificaram o risco fascista do ultradireitista – a Foreign Policy, por exemplo, compara a campanha do ex-militar a Goebbels, exímio manipulador de informações e homem da propaganda nazista.

Mas, por aqui, a imprensa normaliza a violência atrelada ao candidato ao forjar uma falsa equivalência de extremos contraposto por Fernando Haddad, professor, democrata e representante de um partido cujos 14 anos no poder jamais tiveram acenos antidemocráticos.

A cobertura sobre o ex-militar esconde excessos e se omite de condenar a apologia à violência, opressão contra a qual o jornalismo tem a obrigação de serebelar. A humanidade, afinal, precede orientações políticas e econômicas.

Nem todos os eleitores de Bolsonaro são fascistas”, contemporiza Sardenberg na rádio. Mas ele é. E isso basta.