Categories: BrasilDestaques

O dia em que a Lava Jato bateu na porta de uma repórter do Estadão

Pesadelo: Luciana

O texto abaixo foi publicado no Estadão. É o relato de uma repórter do jornal, Luciana Amaral, que foi abordada por policiais federais da Lava Jato a mando de Moro.

Hoje de manhã fui acordada com batidas na porta do meu apartamento e um sonoro: “Polícia Federal, abre a porta”. Como jornalista, já cobri várias operações da PF, mas nunca pensei que acabaria incluída em uma delas.

Ainda sonolenta, não sabia bem ao certo que horas eram. Meu cachorro acordou assustado e foi ver quem era. E eu continuava tentando entender o que acontecia. Pensava se não estava sonhando com o noticiário do dia a dia. Só que as batidas continuavam. Assim como o insistente: “PF, abre a porta agora. Temos um mandado de busca e apreensão nesse endereço.” Não conseguia acreditar. Logo eu, que, como diz o ditado, nunca matei uma formiga e não gosto de escancarar minhas preferências políticas, apesar de, por ofício, precisar apurar casos de corrupção envolvendo políticos.

Sem saber como agir ou se aquilo era realidade, interfonei para o porteiro. Em resposta, ouvi: “É verdade. É a PF. Você vai ter que abrir.” Ok, fazer o quê? Quem não deve, não teme. Abri a porta ainda com a roupa de dormir e lá estavam três agentes da PF, dois do Paraná e um de São Paulo – nenhum japonês – além de duas pessoas do condomínio, como testemunhas. Os policiais se apresentaram e falaram que estavam ali a mando do juiz Sérgio Moro, como parte das investigações da Lava Jato. Li o mandado. Percebi que estavam atrás, principalmente, de dinheiro vivo.

Eu nem tinha tido tempo de abrir o jornal e saber da nova etapa da operação, nem dos atentados na Bélgica. Eu só conseguia pensar “Logo eu? Logo eu?”.

Atendi a porta. “Ok, podem entrar, mas pelo menos me deixem trocar de roupa.” Fui para o quarto, me arrumei e fui ver no que a visita ia dar.

Depois de fazerem festinhas com o meu cachorro, começaram o questionário. Agora, com tom de voz mais baixo.

– Há quanto tempo você mora aqui?, perguntaram.

– Um mês e meio, é alugado, respondi.

– Com o que trabalha?

– Sou jornalista.

– De onde?, quiseram saber.

– Do Estadão.

– Você cobre a Lava Jato?

– Não estou na editoria de Política agora, mas já cobri operações da PF em Brasília.

– Você é de Brasília? Tem informações privilegiadas da Lava Jato?

– Não.

– Você tem parentes políticos, ministros ou ligados a empreiteiras?

– Não.

– Você tem algum cofre aqui em casa?

Neste momento, apenas ri.

Depois de mais algumas perguntas e respostas, sempre me explicando o passo a passo da ação deles ali, os agentes pediram para abrir os armários do quarto. Deixei. Como não havia nada de excepcional para ver, logo voltamos para a sala. Papelada assinada, notificando que nada constava naquele endereço. Disseram que iriam atrás do antigo locatário: “Esse vai ser investigado.” Conversamos ainda um pouco sobre a situação política do País, a vizinhança do prédio e a viagem dos policiais paranaenses até São Paulo. Falaram para eu tirar o cachorrinho da varanda. “Não deixa ele preso lá não, tadinho. Ele deve estar estranhando todo esse povo na casa dele.”

Se despediram de mim.

– Gente, vamos embora que ela tem que trabalhar.

Muito bem. Eu tinha mesmo que trabalhar. Desejo que a investigação siga o seu rumo. Mas uma coisa é certa: este dia vai ficar marcado como o dia em que caí na Lava Jato. De paraquedas.

Diario do Centro do Mundo

Disqus Comments Loading...
Share
Published by
Diario do Centro do Mundo

Recent Posts

Motorista teria soltado escorpião e tirado lâmpadas do apartamento de socialite, diz parente

José Marcos Chaves Ribeiro, de 53 anos, é acusado pela família da socialite Regina Gonçalves,…

9 minutos ago

Proposta de saúde para população LGBTQIA+ amplia atrito de Tarcísio com o bolsonarismo

O governo de São Paulo revogou na última segunda-feira (29) uma resolução da Secretaria de…

3 horas ago

A estratégia da PF para o depoimento do delegado preso pelo assassinato de Marielle

Os investigadores encarregados do caso do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista,…

3 horas ago

Exército vai apagar comentários de ódio e político-partidários nas redes sociais; entenda

O Exército Brasileiro estabeleceu novas diretrizes para suas redes sociais, focadas na eliminação de comentários…

3 horas ago

Lira demora oficializar grupo sobre fake news e assunto empaca na Câmara

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ainda não oficializou a formação do…

10 horas ago

Avanço da extrema-direita gera onda de resistência das forças democratas

Diante das estratégias de desestabilização promovidas por movimentos de extrema direita ao redor do mundo,…

10 horas ago