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O dia em que a Polícia de Aécio invadiu a minha casa e “roubou” meu notebook. Por Geraldo Elísio, jornalista

Geraldo Elísio

“Na mesma manhã da prisão de Marco Aurélio Carone, por volta de 8 horas e 45 minutos, eu conversava em minha casa com a minha irmã, Isa Bernardina, que havia ido me visitar. Não sabia de nada do acontecido. Tomávamos um café quando o interfone tocou. Atendi e disse:

– Pois não.

A voz de um homem indagou:

– Geraldo Elísio está?

– Sim. Sou eu que estou a falar com o senhor.

– É possível que o senhor venha ao portão?

– Claro, já estou indo.

Pensei ser o carteiro. Perdi licença à minha irmã e fui atender. Dia quente, estava vestido com um short, sem camisa e calçava sandálias havaianas.

Foi quando divisei uma viatura da Polícia Civil de Minas Gerais parada na porta do prédio. Um jovem delegado liderava um grupo de mais três investigadores, aos quais cumprimentei com polidez e os convidei a entrar, ocasião em que fui informado por aquela autoridade estar de posse de um mandado judicial autorizando a busca e apreensão de meu netbook, pen-drives, HD externo, agendas telefônicas, e mais outros objetos que pudessem ser úteis a uma investigação desenvolvida. Convidados a entrar e se sentirem em casa, deixei-os a vontade para cumprirem suas obrigações, sem mesmo me preocupar com o mandado judicial, porém o jovem delegado, o primeiro nome dele parece ser Adriano, fez questão de que eu visse a autorização. Eu estava absolutamente calmo e percebi que a Isa ficou um pouco preocupada, mas terminou por se acalmar diante da minha tranquilidade. Quem não deve não teme.

Os policiais, repito, bastante polidos, no interior da minha casa tiveram as suas atenções despertadas para meu diploma referente ao Prêmio Esso Regional de Jornalismo, em 1977 – denunciando as torturas sofridas pelo operário Jorge Defensor Vieira, ainda ao tempo da ditadura civil-militar de 64, quando ainda existia o AI-5 e ele foi barbaramente espancado por policiais civis; dois Diplomas Bis Excelência – que me foram concedidos pela mesma Polícia Civil de Minas Gerais por relevantes serviços prestados à instituição; e a Medalha Gilberto Porto, grau ouro, a maior insígnia da PCMG – pelas mesmas razões, quando trabalhei nos CESPEs e Acadepol no já referido projeto visando aumentar os graus de uma Polícia Cidadã e respeito aos Direitos Humanos, em vista das novas posturas internacionais e nacionais. Eles se impressionaram com as condecorações e um policial me indagou:

– O senhor tem a Medalha Gilberto Porto?

– Sim. Com muito orgulho. O senhor também tem?

Ele respondeu que não, e eu mudei de assunto.

Deixei-os à vontade, pedi licença a minha irmã para dar-lhes atenção e só então fui saber das razões de tão inusitada visita. Eu estava sendo acusado de “pertencer a uma quadrilha de falsificadores de documentos para incriminar e chantagear autoridades mineiras”. Era o projeto de desconstrução das denúncias publicadas pelo Novojornal e o desesperado desejo de provar que a documentação apresentada sobre qualquer matéria – PDFs – eram falsas. Sempre educados, olharam o que quiseram sem a minha interferência e acabaram por levar dentro de um envelope pardo o meu netbook, alguns pen-drives, o HD externo e agendas telefônicas de papel guardadas somente em função do valor sentimental das mesmas por conter telefones dos poetas Carlos Drummond de Andrade e Thiago de Mello, fontes políticas como o general Golbery do Couto e Silva, Carlos Prestes, escritor e escritora Roberto Drummond e Lygia Fagundes Telles, advogados Raymundo Faoro, Aristóteles Atheniese, Sobral Pinto, Sidney Safe, Márcio Thomas Bastos e políticos do porte do doutor Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Francelino Pereira, Marco Maciel, Divaldo Suruagy, além de inúmeros artistas, entre os quais Milton Nascimento, Clara Nunes e Gonzaguinha. Enfim, importantes fontes ao tempo de meus trabalhos no jornalismo analógico. Um dos investigadores, sinceramente, me chamou à parte e indagou:

– Por qual razão estão querendo envolver o senhor nessa trapalhada toda?

E me olhou fixamente nos olhos. Olhando-o da mesma forma, bati com uma das mãos levemente em seu ombro e respondi:

– Meu amigo… Eu também gostaria muito de saber!

Ele meneou a cabeça como se admitisse “eu não entendo” – e se despediu de mim. Perguntei ao delegado se devia acompanhá-los e ele disse que não. Tão logo saíram, o meu celular tocou. Atendi e do outro lado da linha falei com a senhora Nísia Cristina, filha de Marco Aurélio Carone, me contou que o Novojornal tinha sido invadido e empastelado e que o pai dela havia sido preso. Indagou-me o que eu poderia fazer. Passei imediatamente a me preocupar com a integridade física de Marco Aurélio Carone. Tomei um táxi e pedi ao motorista que se dirigisse para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Procurei o então presidente da Comissão de Direitos Humanos, Durval Ângelo (PT), mas ele não estava na Casa. Dirigi-me para o escritório do também petista Rogério Correia. Não quis procurar nenhum dos inúmeros advogados amigos que conheço e com os quais mantenho amizades sinceras para não envolvê-los em situação tão delicada.

Eu sabia que Dino Miraglia e William Santos já viviam atormentados pelos home. Dino Miraglia teve, em função dos problemas, um casamento de 26 anos destruído. Hoje mora em uma praia no Espírito Santo. Felizmente Rogério Correia estava em seu gabinete, e tomou as providências necessárias para que a minha integridade física e a de Carone fossem preservadas.

Imediatamente, de um computador do gabinete do deputado Rogério Correia, postei o acontecido em minha página do Facebook, e as redes sociais, em resposta, imediatamente explodiram em solidariedade. A mídia tradicional, no mesmo dia e no seguinte, noticiou a prisão de Carone e a estadia dos policiais em minha casa. O promotor André de Pinho, do Ministério Público de Minas Gerais, dera entrevista coletiva à imprensa anunciando haver solicitado ao Juiz da 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte a prisão de Marco Aurélio, do lobista Newton Monteiro, e a busca e apreensão na casa do advogado Dino Miraglia Filho e na minha casa. O argumento era que formávamos uma quadrilha responsável pela falsificação de documentos e chantageamento de autoridades, o que resultava na movimentação de um milhão de dólares anuais. A operação no apartamento de Dino Miraglia se revestiu de cenas cinematográficas, com helicópteros policiais sobrevoando a casa dele, grupos de elite ultra-armados e a presença também de cães. Tudo isso custou a Dino a separação de sua ex-esposa, desfazendo um casamento de 26 anos, como foi dito.

Em minha casa, eles fizeram uma relação de objetos levados perante testemunhas legais, mas nada me mostraram. E pior, não deixaram uma cópia comigo, tampouco da ordem judicial, nem cópia bit-a-bit, como prescreve a Lei, do conteúdo do material eletrônico levado. Denunciei: esses atos são obra de Andrea e seu irmão senador Aécio Neves – PSDB-MG – para tentar desqualificar a Lista de Furnas e o Mensalão Tucano Mineiro, para que não entrem em julgamento no STF. A declaração foi feita ao Viomundo. Na ocasião, o deputado Rogério Correia comentou, perplexo:

– É estranho uma ordem de busca e apreensão na residência do jornalista Geraldo Elísio. Evidencia o caráter de censura da operação em curso.

Destrutivo

E houve uma denúncia pública do bloco Minas Sem Censura, integrado por PT, PMDB e PRB.

“O bloco parlamentar Minas Sem Censura vem a público mais uma vez registrar sua perplexidade e sua indignação com mais essa atitude do Judiciário Mineiro, no caso do Novo Jornal.

A ordem de busca e apreensão expedida contra o diretor proprietário do Novo Jornal e contra o repórter Geraldo Elísio configura mais um absurdo do caso.

Depois de vários dias da prisão de Carone, sem fato concreto que pudesse incriminá-lo, vasculhar sua residência e a de Elísio, só tem sentido como ato de intimidação.

Se a credibilidade dessa atípica atitude de censura já era mínima, agora chega ao limite da desmoralização. Não conseguindo forjar a delação premiada, só restou essa truculência: busca e apreensão.

Qual será a próxima ousadia? Qual a credibilidade de supostas provas que eventualmente apareçam?

Invadir casa de jornalistas é um precedente perigoso. Em Minas não se respira liberdade.

Na verdade, nesse 31 de Janeiro de 2014, Minas sofreu um atentado à liberdade de imprensa digno dos tempos da ditadura civil-militar no Brasil”

Do meu celular telefonei também para Brasília e falei com o então deputado federal Protógenes Queiroz, expondo a ele todos os acontecidos. Na noite da mesma segunda-feira, dia 20, ele disse publicamente que “para prender o jornalista Marco Aurélio Carone, crítico forte da gestão do PSDB, em Minas Gerais, a Polícia Federal também meteu grampo telefônico no jornalista Geraldo Elísio” e nele próprio Protógenes Queiroz, conforme postagem no Google do jornalista César Alves, paraibano de Catolé do Rocha, na Paraíba, desde 1988, com residência fixa em Mossoró, no Rio Grande do Note, graduado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN – .

Segundo esse colega, Protógenes “comunicou o fato ao procurador da República” e acrescentaria que iria pedir explicações as autoridades.”

.x.x.x.

Nota da Redação:

Aécio Neves, que já estava em pré-campanha para presidente, perdeu as eleições e é hoje réu na Justiça Federal em São Paulo por corrupção e tentativa de obstrução à Justiça, no caso Joesley Batista, que veio à tona em maio de 2017

Andrea Neves, sua irmã e o braço forte nas ações para cooptar a imprensa, foi presa e também é processada, no caso delas pelos crimes de corrupção ativa e passiva, organização criminosa, obstrução da Justiça e violação de sigilo funcional.

O promotor André de Pinho, que pediu as ações, foi afastado pelo Conselho Superior do Ministério Público, sob a alegação de baixa produtividade. Recebe salário, mas não trabalho.

O delegado Márcio Nabak, que conduziu os processos de interesse do esquema de Aécio Neves, permaneceu afastado de funções diretivas da Polícia Civil no governo de Fernando Pimentel, mas voltou a ocupar cargo importante no governo de Romeu Zema.

O notebook apreendido, bem como pen drives e agendas, nunca foi devolvido. O jornalista Joaquim de Carvalho esteve no Fórum em Belo Horizonte, para questionar sobre o paradeiro de todo esse material, e a resposta foi que se encontra sob custódia da Polícia Civil.

Na Polícia Civil, a resposta é que o material se encontra na Justiça.

O fato é que desapareceram arquivos importantes sobre denúncias contra Aécio Neves.

O inquérito em que as prisões e os mandados de busca foram autorizados viraram processo e, no ano passado, foi extinto, depois que o próprio Ministério Público — no caso, outro promotor — considerou que não havia sequer fato criminoso a ser apurado.

No entanto, Geraldo Elísio passou por situação de constrangimento e perdeu o notebook onde estavam arquivados os originais de três livros, um deles o Diálogo com Ratos, que acabaria sendo publicado e no qual este artigo foi publicado.

Geraldo, entretanro, teve que redigir tudo outra vez.

Como o equipamento não foi devolvido e não se aponta o seu paradeiro, pode-se dizer que a Polícia Civil de Belo Horizonte roubou notebook e pen drives, com conteúdo de valor imensurável. Roubo é a palavra adequada, já que houve a subtração de um bem mediante violência, no caso a violência institucional do esquema de poder e corrupção da Máfia do PSDB em Minas.

Geraldo Elísio, autor da reportagem que faz parte do livro “Diálogos com Ratos”

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