O dia em que a vendedora não me vendeu xarope porque eu tinha jeito de pobre. Por Nathalí

Atualizado em 4 de dezembro de 2019 às 14:15
Xarope. Foto: iStock

Ontem fui à farmácia popular em Alagoinhas, na Bahia, comprar um xarope pra tosse. Um short que custou $30 na Avenida Sete, uma blusinha de $5 do brechó da UNEB, cara limpa, chinelo.

A atendente (descobri depois que é a gerente do estabelecimento), com três quilos de maquiagem na cara antes das 9 da manhã, me olhou como se eu não tivesse o direito de respirar o mesmo oxigênio que ela e antes que eu terminasse o meu pedido me disse que não tinha o remédio que eu queria.

“Nenhum xarope pra tosse?”, insisti. “Não”, respondeu, como quem queria que eu me retirasse o mais rápido possível.

Saí confusa, mas ainda risonha (a mulher com sua terapia em dias não quer guerra com ninguém).

Jamais me sentiria humilhada pelo olhar de alguém que acorda 7 a.m pra entupir a cara de maquiagem e ficar atrás de um balcão e só trata bem as pessoas de “boa aparência”.

Na verdade, senti até uma pontinha de piedade da criatura, tão iludida a ponto de não perceber que, bem vestida ou mal vestida, continua sendo pobre, assim como eu e assim como os outros pobres que ela atende diariamente.

A pior pobreza de todas, a pobreza de espírito, não pode ser escondida com blush e batom.

Quando voltei pro carro, minha mãe:

“e aí, comprou?”
“minha filha, tu não sabe da maior, a atendente só faltou cuspir na minha cara”, comentei, rindo.

Ela ficou fora de si. “dê na minha cara, mas não destrate meus filhos!”, disse, do jeitinho mais lindo do mundo, bradou a própria revolta por mais vinte minutos ininterruptos e mais tarde voltou à farmácia, lindíssima e bem vestida, procurando o mesmo remédio.
BINGO! Foi prontamente atendida com umas 10 opções de xaropes pra tosse.

Claro que a leoa defendeu sua cria. Gritou para a mulher que a menininha ralé que procurara o mesmo remédio mais cedo é sua filha, tem cinco livros publicados (mainha dá todas as carteiradas que eu não dou, risos) e não perde tempo com futilidades.

Lembrou-a que as pessoas não valem o que têm, o que vestem ou o que dirigem, mas o que são e o que produzem. Nem mais um pio: a mulher meteu o rabo entre as pernas e se calou.

Me vestir como eu quero, e como a sociedade exige para que me respeite, é um ato político. Quando uso uma blusa de $5 do brechó, eu não só economizo e continuo fashion: eu assumo a minha consciência de classe, e, sobretudo, eu seleciono as pessoas do meu círculo, porque quem me julga pelo que visto jamais terá o meu respeito.

Um salve pra ralezada, pros brecholentos, pros pobres que se sabem pobres, pros grandes de espírito que saem de chinelo, vão ao shopping de pijama, preferem comprar livros e experiências a comprar roupas caras e tratam os outros com doçura independentemente de sua imagem ou conta bancária.

Um viva aos que sabem que dignidade é reconhecer no outro um semelhante, aos que voam porque mantém em seus corações a humildade.

É nois de pochete, rapaziada.