A vitória de Aécio num avião, o lamento de um ex-delegado da Polícia Federal e o jornalismo brega

Atualizado em 14 de novembro de 2014 às 23:49
"Obrigado pelo carinho, pessoal"
“Obrigado pelo carinho, pessoal”

 

Uma das grandes questões que assombram a humanidade desde priscas eras é a seguinte: qual a linha que separa o brega — ou kitsch — da grande arte? Por que um vaso quebrado chinês de Ai Wei Wei tem mais valor do que um auto-retrato de Romero Britto? Por que Chico Buarque falando quer ficar no seu corpo como tatuagem é superior a Odair José mandando a namorada parar de tomar a pílula?

O brega está em todas as áreas: política, religião, literatura, economia, erotismo, publicidade, televisão etc. Se é difícil definí-lo, é fácil reconhecê-lo. Você percebe sua presença. O sentimento de “ugh” está na tela, nas notas, nas palavras.

Quer se trate de um anão de jardim, de uma balada do Jota Quest, de uma poesia de Pedro Bial, de uma frase de Paulo Coelho, do piscar de olhos de Bambi, de um beijo no coração — a breguice está lá, reconhecível como o rosto de sua tia querida. Não há muito espaço para a dúvida. Se você acha que pode ser, então é. No jornalismo, claro, não é diferente. (Aliás, quem faz um apanhado do que há de melhor nessa seara é o Wando em sua coluna no Yahoo).

Bem, esse blablablá foi para compartilhar um artigo de Ricardo Noblat no Globo. Noblat narra o que aconteceu num voo em que Aécio Neves estava presente. Não fica claro se o jornalista estava no avião ou se a história lhe foi contada por uma de suas fontes (talvez a mesma que lhe garantiu que a morte de Ariano Suassuna era “questão de horas”. Suassuna, aos 87 anos, estava numa UTI, em coma). Deveria? Isso é outra questão.

Assim como é outra questão o fato de tudo isso ter acontecido numa quarta-feira à tarde. O que o senador fazia no Rio?

A cena, uma ode ao que poderia ter sido e não foi, é uma apoteose brega — ou kitsch. Como disse Milan Kundera, “não importa o quanto o desprezemos, o kitsch é uma parte integral da condição humana”.

Eis o relato:

 

– Isto é uma pegadinha? – espantou-se a mulher ao olhar para o homem sentado na cadeira do corredor da terceira fila do voo 1488 da GOL, que decolaria ontem, no meio da tarde, do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com destino a Brasília.

– Pegadinha, como? – perguntou o homem, sorrindo.

– O senhor é a cara de Aécio – observou a mulher.

– Eu sou Aécio – o homem respondeu.

Instalou-se então a confusão, que acabou por atrasar a decolagem. Bem mais da metade dos passageiros que quase lotavam o avião fez questão de cumprimentar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e de tirar fotos junto com ele.

Outra mulher comentou depois de abraçar Aécio:

– Você está por aqui? Não acredito.

Um homem idoso apertou a mão de Aécio e disse:

– Aécio, é você? Chorei muito quando você perdeu a eleição.

Entre uma foto e outra com o senador, uma jovem tascou:

– Nossa, você é muito bonito. É mais bonito do que na televisão.

A tripulação teve trabalho para conseguir que as pessoas ocupassem seus assentos. Antes que o avião decolasse, por três vezes, e a curtos intervalos, passageiros gritaram o nome de Aécio provocando aplausos.

Na descida do avião em Brasília, o comandante falou aos passageiros por meio do sistema de som:

– A GOL sente-se honrada em transportar o senador Aécio Neves, futuro presidente do Brasil.

Novamente Aécio foi aplaudido. E por último foi aplaudido ao se levantar para desembarcar, olhar para os fundos do avião e dizer:

– Obrigado pelo carinho, pessoal.

 

O deputado federal Fernando Francischini (SD-PR) deu o link do artigo em seu Facebook, chamando de “crônica de uma vitória anunciada”. Francischini é delegado licenciado da Polícia Federal.

Imagine isso ilustrado por Hans Donner ou filmado por Cecil B. DeMille ou ainda pelo diretor de “Chiquititas”. Noblat não confirma se a Gol vai inaugurar vôos para Cláudio, em Minas.