O dia em que entrevistei Paulo Freire, cujo legado os Bolsonaros ignoram, mas mesmo assim querem destruir. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 16 de abril de 2019 às 7:30
A entrevista com Paulo Freire, em 1990

Considero oportuno resgatar uma entrevista que fiz em 1990, para o jornal O Estado de S. Paulo, com o pedagogo Paulo Freire, o patrono da educação brasileira. Na época, um de seus livros, Pedagogia do Oprimido, tinha vendido mais de 2 milhões de cópias. Ele era — e é — uma referência no mundo todo, sobretudo na Europa.

Quando vejo seguidores de Olavo de Carvalho, como os Bolsonaros, em campanha para destruir o legado de Freire, lembro da entrevista, realizada, por exigência dele, num almoxarifado da Secretaria Municipal de Educação, eu e ele sentados em cadeiras embaladas em saco plástico.

Freire era combatido em editoriais pelo Estadão, mas, nas reportagens, não havia como esconder avanços na área educacional naquele período.

Um paralelo: há pouco tempo, a gestão de do PSDB em São Paulo, na época comandada por João Doria, limitou a merenda escolar e falou em distribuir ração para estudantes. Freire, naquela entrevista, ficou com lágrimas nos olhos quando segurou uma caixa de sucrilhos e disse que se orgulhava muito de ter colocado na merenda, graças a um convênio com o fabricante, “o mesmo alimento que os meus netos comem”.

A entrevista foi um bom momento nestes 37 anos de profissão.

Freire pensava em deixar a secretaria depois de muita pressão — havia um movimento na classe média paulistana contra o governo de Luiza Erundina que despertou um sentimento racista e resultou, inclusive, na criação de uma organização que defendia a proibição da migração nordestina.

Freire nasceu em Pernambuco, Luiza Erundina, na Paraíba.

— Não viemos para arrebentar a cidade — disse ele.

— Qual será sua maior obra na secretaria?

— Todas as realizações são grandes para mim. Quer ver uma coisa maior para um cara que foi para a cadeia porque quis alfabetizar seu povo do que entrar num lugar como esse (almoxarifado da Secretaria) e ver estas cadeiras? Haverá coisa maior do que ver os índices de queda da reprovação escolar? Haverá coisa melhor do que um educador ver algumas de suas ideias concretizadas?

— O senhor é vaidoso?

— A vaidade, como reconhecimento de seu valor pessoal, é importante. E, nesse sentido, sou vaidoso e isso me motiva a maiores realizações. A vaidade só é má quando resulta na arrogância, na vaidade pecaminosa.