Hoje, Dia dos Professores, achei oportuno resgatar uma entrevista que fiz em 1990, para o jornal O Estado de S. Paulo, com o pedagogo Paulo Freire, o patrono da educação brasileira. Na época, um de seus livros, Pedagogia do Oprimido, tinha vendido mais de 2 milhões de cópias. Ele era — e é — uma referência no mundo todo, sobretudo na Europa.
Quando vejo seguidores de Olavo de Carvalho em campanha para destruir o legado de Freire, lembro da entrevista, realizada, por exigência dele, num almoxarifado da Secretaria Municipal de Educação, eu e ele sentados em cadeiras embaladas em saco plástico.
Freire era combatido em editoriais pelo Estadão, mas, nas reportagens, não havia esconder avanços na área educacional naquele período.
Um paralelo: João Doria limita a merenda escolar e fala em distribuir ração para estudantes, Freire, naquela entrevista, ficou com lágrimas nos olhos quando segurou uma caixa de sucrilhos Kelloggs e disse que se orgulhava muito de ter colocado na merenda, graças a um convênio com o fabricante, “o mesmo alimento que os meus netos comem”.
A entrevista foi um bom momento nestes 35 anos de profissão.
Freire pensava em deixar a secretaria depois de muita pressão — havia um movimento na classe média paulistana contra o governo de Luiza Erundina que despertou um sentimento racista e resultou, inclusive, na criação de uma organização que defendia a proibição da migração nordestina.
Freire nasceu em Pernambuco, Luiza Erundina, na Paraíba.
— Não viemos para arrebentar a cidade — disse ele.
Freire tinha também adversários que se diziam militantes de esquerda.
— Pode ser que haja interesse em desestabilizar. Mas, como uma pessoa preocupada com a questão da relação autoridade-liberdade dentro do momento histórico, em que inclino muito mais a entender coisas desse tipo como expressão desta dramática ambiguidade em que nos achamos. Toda manifestação de autoridade vira autoritária para esse tipo de autoritarismo. E toda manifestação autêntica de liberdade deve ser, para esse tipo de autoritarismo, licenciosa. Essa ambiguidade vem atrapalhando a própria marcha da democratização entre nós.
— De quem é essa ambiguidade?
— Tem muita gente aí, militante de esquerda, que está convencida de que, no momento em que um companheiro assume um posto do qual decorre um mínimo de autoridade, deixa de ser companheiro, deixa de ser militante. Para eles, passa a ser “essa gente” do governo.
— Qual será sua maior obra na secretaria?
— Todas as realizações são grandes para mim. Quer ver uma coisa maior para um cara que foi para a cadeia porque quis alfabetizar seu povo do que entrar num lugar como esse (almoxarifado da Secretaria) e ver estas cadeiras? Haverá coisa maior do que ver os índices de queda da reprovação escolar? Haverá coisa melhor do que um educador ver algumas de suas ideias concretizadas?
— O senhor é vaidoso?
— A vaidade, como reconhecimento de seu valor pessoal, é importante. E, nesse sentido, sou vaidoso e isso me motiva a maiores realizações. A vaidade só é má quando resulta na arrogância, na vaidade pecaminosa.