O dia em que Javier Bolsonaro descobriu que seu amor por Trump não é correspondido. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 6 de junho de 2020 às 12:54
Bolsonaro postou na rede vídeo em que aparece vendo discurso de Trump. Foto: reprodução do YouTube

Jair Bolsonaro segue Donald Trump no Twitter, e já até compartilhou postagens dele. Mas não é seguido pelo presidente dos Estados Unidos. Nunca foi. Trump segue 46 pessoas, a maior parte delas de seu círculo familiar e de amizades, nenhum chefe de Estado.

A constatação de que Bolsonaro não é seguido por Donald Trump, alardeada na rede social ontem, foi recebida por internautas como a prova do desprezo do presidente dos Estados Unidos pelo seu homólogo ao sul.

O desprezo é fato, mas a evidência não está na conta de Trump no Twitter.

A evidência veio mais cedo, quando o presidente dos Estados Unidos se manifestou sobre a tragédia do coronavírus no Brasil e considerou o país, um mau exemplo.

“Se você olha para o Brasil, eles estão num momento bem difícil. E, falando nisso, continuam falando da Suécia. Voltou a assombrar a Suécia. A Suécia também está passando por dificuldades terríveis. Se tivéssemos agido assim, teríamos perdido 1 milhão, 1,5 milhão, talvez 2,5 milhões ou até mais”, afirmou.

Foi a segunda, vez durante a semana, que Trump se manifestou com desprezo em relação ao Brasil. Na segunda-feira, anunciou que convidaria para a reunião do G7  nos Estados Unidos Rússia, Índia, Coreia do Sul e Austrália. Excluiu o Brasil

Mais tarde, Bolsonaro postou no Twitter que havia conversado com Trump por telefone e que participaria do G7 aampliado. Essa atitude é humilhante para um chefe de estado.

Em público, Trump diz uma coisa. Numa conversa particular, outra. Parece o caso de uma pessoa traída que diz aos amigos, depois que a traição se tornou pública: “você não sabe, mas ele disse que me ama, e que até vai me levar para a festa”.

Por que Trump faz questão de humilhar Bolsonaro?

Claro que se deve considerar que Trump costuma não valorizar os que o bajulam, ao contrário do que faz, por exemplo, com pessoas mais distantes.

É o caso do líder da Coreia do Norte, Kin Jong-un, já elogiado publicamente pelo presidente dos Estados Unidos.

Esse traço da personalidade de Trump já foi revelado por jornalistas que cobrem a Casa Branca: se Bolsonaro quisesse respeito de Trump, deveria ser mais discreto.

O mais provável, no entanto, é que o desprezo de Trump por Bolsonaro atenda a um comportamento pragmático: a aproximação de Bolsonaro afasta eleitores nos Estados Unidos.

E Trump, apesar de aparecer com 10 pontos atrás de Joe Biden na última pesquisa eleitoral, segue firme na sua disposição de permanecer mais quatro anos à frente do governo norte-americano.

A consultora Olga Curado disse, em uma live do DCM esta semana, que a imagem de Bolsonaro como incompetente e nocivo à humanidade já está cristalizada no mundo, e é muito difícil que se reverta.

Olga Curado comanda uma equipe que analisa as publicações no Brasil e no exterior sobre Jair Bolsonaro e outras personalidades públicas.

Foi em razão dessa imagem negativa de Bolsonaro que líderes europeus começaram a discutir a revisão do acordo entre União Européia e Mercosul.

O acordo ainda não está em vigor, já que necessita de aprovação dos países que compõem a União Européia, mas o que os países da Europa querem agora é que essa discussão nem seja feita.

Chamado de BolsoNero pela The Economist, a mais influente revista do mundo, Bolsonaro virou na internet o Javier Bolsonaro, depois da brincadeira que um perfil fake de Trump fez, se referindo a Jair Bolsonaro como Javier Bolsonaro, tamanho o desprezo do presidente dos EUA por ele.

Se tivesse decoro, Bolsonaro se esforçaria para mudar o comportamento e se apresentar ao mundo como um líder menos nefasto.

Mas nada indica que fará isso.

Continuará a lamber as botas de Donald Trump, para vergonha de todos os brasileiros, pois, como se viu naquela reunião ministerial do dia 22, não há nenhuma pessoa próxima com capacidade de lhe sugerir outro caminho.