O dia que Aécio e Andrea Neves colocaram o jornalismo independente atrás das grades. Por Geraldo Elísio

Atualizado em 6 de agosto de 2020 às 18:50
Carone entre dois de seus algozes, Aécio e Andrea

Marco Aurélio Carone tinha 60 anos na época, sofria de diabetes e hipertensão arterial há mais de uma década. Cinco anos antes, sofrera o acidente que lhe deixou sequelas e o obrigou a andar de bengala, posteriormente substituídas por muletas, que o fazem se locomover com dificuldades. No dia 20 de Janeiro de 2014, em temporada eleitoral – Dilma x Aécio Neves – às 6 horas da manhã ele chegou ao Novojornal para trabalhar e teve uma surpresa desagradável. O delegado Guilherme Santos, da Polícia Civil de Minas Gerais, lhe deu voz de prisão.

O jornalista e publicitário narra que, dois minutos depois, chegou o promotor André Luis de Pinho, que o perseguia, inclusive acusando-o de ter incendiado um carro da propriedade dele. Tudo em função de uma briga entre irmãos na qual Pinho estava envolvido e que acabou sendo notícia.

“Eu lhe proponho assinar um documento de delação premiada. Se tivesse aceitado, seria libertado na mesma hora”, disse, conforme Carone me relatou.

Mas, como se recusou, Carone foi conduzido primeiro para o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional – Ceresp -, no bairro Gameleira, em Belo Horizonte, e foi deixado em uma sala sob guarda. No dia 21, ele passou mal no presídio e foi levado para Unidade de Pronto Atendimento mais próxima, a UPA Oeste. No dia 23, teve alta e voltou para o presídio. O doutor Edson Donato, médico da unidade presidiária, fez um relatório alertando a direção quanto à gravidade do caso.

“Hipertensão arterial maligna + diabético tipo II de difícil controle com medicamento, susp – abreviatura de suspeita – de angina pectoris e necessitando de uso rigoroso dos medicamentos, em horários rigorosos. Paciente com risco de vida nesse presídio, sem condições de permanecer devido às precárias condições de assistência médica”.

Chegou a ser levado de novo para a UPA Oeste, mas, como portador de plano de saúde da Unimed, conseguiu ser transferido para um hospital da rede, o Biocor, na região chamada Seis Pistas, Zona Sul de Belo Horizonte, quase divisa com a cidade mineira de Nova Lima.

O doutor Edson Donato fora preciso no diagnóstico. No início da madrugada de sexta-feira, 24 de janeiro, o quadro de saúde de Carone se agravou. Ele teve infarto. Foi para o CTI do Biocor e, na tarde de terça-feira, dia 28, foi transferido para um dos quartos do hospital.

Preocupados, os deputados estaduais Rogério Correia e Durval Ângelo, ambos do PT, acompanhados de um representante da OAB-MG, trataram de ouvi-lo cedo. Durval era então o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. No interrogatório, pode ser notado, na gravação da conversa, que o prisioneiro político respira com dificuldade. A pressão arterial do Carone estava 24 por 10. Ele havia passado a noite no respirador artificial, devido à falta de ar, informou Durval, acrescentando:

— A saúde dele está muito fragilizada.

Na tarde do mesmo dia, os dois deputados estaduais tiveram audiência com o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Joaquim Herculano Rodrigues, solicitando a intervenção dele para que o jornalista Carone não voltasse ao presídio, por não verem também sentido na prisão preventiva. Argumentaram que, se não fosse possível revogar a prisão, que ele fosse transferido para prisão domiciliar. Os parlamentares não foram atendidos.

Tempos depois, sem explicações, o desembargador Joaquim Herculano se aposentou, quando ainda faltavam cinco anos para ele cair na compulsória. Prazo esse ampliado depois com a chamada PEC da Bengala, aumentando em mais cinco anos – 75 – o prazo da expulsória, visto por muitos como o primeiro sinal de um golpe legislativo-judicial contra a presidente eleita Dilma Rousseff. Não fosse isso, ela nomearia cinco membros do STF.

O jornalista e publicitário, ao deixar o Biocor, voltou à Penitenciária Nelson Hungria. A princípio, na enfermaria. Mas, em tempo conveniente para os donos do poder de então, ele voltou à cela comum.

Ao se ver preso, Carone, mesmo sendo publicitário e tendo registro de jornalista profissional, não reclamou para si nenhum tipo de regalia. E os seus colegas prisioneiros logo identificaram nele um homem que não havia cometido qualquer infração, mas que, por uma razão que não sabiam, estava trancafiado.

Carone conta que, na hora do infarto, o Ceresp quase veio abaixo de tanto que os meus colegas de infortúnio gritaram e esmurraram as grades até chamar a atenção dos guardas penitenciários, e ele foi socorrido.

— Aqueles homens salvaram a minha vida e a eles sou eternamente grato — disse. E acrescentou:

— O deputado Rogério Correia advertiu que, se eu viesse a morrer, a responsabilidade seria do Estado. E o advogado Hernandes do Alecrim chamou a atenção para o fato de eu estar sendo tratado com medicação inadequada.

Os episódios coincidem com as ameaças então feitas por Andrea Neves contra quem publicava denúncias contra o irmão senador e pré-candidato a presidente.

Quando gravou um depoimento para os dois parlamentares citados, ainda no leito, Carone ligou sua prisão às matérias que estavam sendo preparadas. Inclusive relativas ao helicóptero apreendido no Espírito Santo com 450 quilos de pasta base de cocaína, a Lista de Furnas e a conta no paraíso fiscal de Liechtenstein. 

Disse:

— Tinha um pessoal me pressionando pra eu ir à delegacia depor num processo em que são partes Dino Miraglia, eu e o Nilton Monteiro.

Dino Miraglia é o advogado que havia dado entrevista ao Viomundo, em que voltou a dizer que a morte da modelo Cristiane Aparecida Ferreira tem ligação com o Mensalão Tucano Mineiro. Ele foi assistente de acusação no julgamento que condenou Reinaldo Pacífico pelo assassinato. Mas, para Dino, havia mandantes que eram poderosos na política mineira.

Nílton Monteiro, também preso na Nelson Hungria, em Belo Horizonte, foi o delator dos mensaleiros. Em entrevista exclusiva ao site Novojornal, ele disse ser um homem com medo de morrer, perseguido por Aécio Neves. Posteriormente, outro site, Diário do Centro do Mundo (DCM), através do sistema de crowdfunding, em trabalho de fôlego do repórter investigativo Joaquim de Carvalho, se aprofundou na questão e tais episódios voltaram a ser abordados e confirmados.

Uma denúncia falsa dizia existir um pacto entre Carone, Dino Miraglia, eu e Nílton Monteiro. O Dino criava o fato político, o Nílton Monteiro falsificava o documento, e Carone o divulgava através do Novojornal. Como Pilatos no Credo, eu era o menor.

Da primeira vez, Carone chegou a comparecer a uma delegacia de polícia e disse que nenhuma acusação correspondia à verdade. Ele nada tinha a ver com Nílton Monteiro, apenas o entrevistara, como eu também o fiz, e o Dino Miraglia tinha sido advogado dele, mas havia renunciado a todas as causas.

O certo é que, na sexta-feira, dia 17, o Novojornal estava fechando uma matéria sobre o possível envolvimento de parentes do Aécio com o caso do helicóptero da família do senador Zezé Perrella apreendido com 450kg de pasta base de cocaína, em novembro de 2013, no Espírito Santo.

Porém, na segunda-feira seguinte, Carone foi preso às 6 horas da manhã, na porta do seu escritório. Não houve tempo para publicar o primeiro depoimento do piloto do equipamento ao primeiro juiz que o ouviu.

Foi quando o promotor André Luiz entrou em cena e comunicou a Carone que ele havia mexido com quem não deveria:

Você mexeu com a Delegacia de Crime Organizado, cara, e agora você vai ver o que tem para você.

Carone recordou:

– E, aí, citou as matérias que eu (Carone) coloquei do Aécio Neves, da overdose, e da morte da modelo. Ainda valendo a proposta de liberdade em troca das acusações a algumas pessoas que ele queria se houvesse disposição para assiná-las.

Além do mais, o promotor André Pinho, o mesmo que o denunciou, não gosta de Carone por causa da matéria feita com o irmão dele — portanto, sem isenção para se envolver num processo de tal natureza. Marco Antônio Garcia de Pinho, um ex-policial, havia procurado o deputado estadual Durval Ângelo (PT/MG), então presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia duas vezes. Ele contou que a autoridade estava passando outros irmãos para trás numa questão de herança. Que havia sido vítima de prisão ilegal armada por ele, que estava usando o cargo de promotor para persegui-lo. Disse inclusive que nem o pai queria vê-lo. O caso foi enviado para a Corregedoria da Promotoria a fim de ser apurado. Ao mesmo tempo, Marco Antônio procurou também o Carone, que fez uma matéria a respeito.

— O promotor André Pinho não tem isenção para atuar no caso, é suspeito. Contra ele, aliás, correm três denúncias no Conselho Nacional do Ministério Público.

O Viomundo, na ocasião, contatou o Ministério Público de Minas Gerais para ouvir o promotor sobre essas acusações e a proposta da delação premiada feita ao jornalista Marco Aurélio Carone. André Pinho, via assessoria de imprensa do Ministério Público, disse não se manifestar sobre o caso em função de o mesmo já estar judicializado.

A jornalista Conceição Lemes, do Viomundo, na ocasião, narrou com riqueza de detalhes o depoimento de Marco Aurélio prestado aos deputados Durval Ângelo e Rogério Correia, ambos do PT. Na justiça, o delator do mensalão mineiro, Nílton Monteiro, preso antes, Carone e o advogado Dino Miraglia estavam acusados de formar quadrilha com o objetivo de disseminar documentos falsos, inclusive por meio de um endereço na internet, com o objetivo de extorquir os acusados. Os dois primeiros estavam presos quando ocorreu busca e apreensão na casa do advogado Miraglia. Eram pedras nos sapatos dos tucanos.

Nilton é testemunha nos casos do Mensalão Tucano Mineiro e da Lista de Furnas, esquema de financiamento de campanha do PSDB em 2002. Carone mantinha o site Novojornal. Dino, já citado, foi auxiliar de acusação da família da modelo Cristiane Aparecida Ferreira. E sustenta que ela era intermediária que carregava dinheiro vivo no esquema do Mensalão de Minas e levou a denúncia ao STF.

Desde a prisão de Carone, o bloco parlamentar de oposição a Aécio na Assembleia, Minas sem Censura, vinha denunciando a prisão preventiva dele como armação relacionada com o tal esquema e a Lista de Furnas. O mesmo bloco denunciou variáveis de um complô envolvendo o Executivo mineiro, setores do Judiciário e o MP de Minas, contando, é lógico, com o sepulcral silêncio da dita grande mídia. Preso, Carone devia cuspir feijões e incriminar muita gente, inclusive eu. Era o chamado Plano A.

Na época, Fernando Pimentel — na ocasião, ministro da Indústria e Comércio, um ano depois governador mineiro — já não era mais bem visto no ninho tucano e encabeçava a lista dos que deveriam ser acusados, em companhia dos deputados estaduais Rogério Correia e Durval Ângelo, ambos do PT, e Sávio Souza Cruz, do PMDB.

O ambicioso projeto arquitetado envolvia ainda o ex-deputado federal do PCdoB de São Paulo, então licenciado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz — hoje asilado na Suíça — e o seu superior Luís Flávio Zampronha, na mesma época responsável pelo relatório do Mensalão Tucano.

E foi aí que, a exemplo de Pilatos, sem nada saber, eu entrei no Credo. Vale a pena dizer repetir. Já estava havia sete meses afastado do jornal produzindo o livro que me fora encomendado por um primo, o coronel reformado do Exército Brasileiro Paulo Rubens Pereira Diniz. Por coincidência, escrevi esse capítulo na noite do dia 31 de outubro de 2016, festa de Halloween, mas Andrea Neves estava mesmo era para assustar e até eliminar adversários.

Em seu caldeirão de bruxa, ela queria o sangue dos adversários. A lista era muito extensa: William Santos, advogado, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Minas; Simeão Celso de Faria, funcionário do gabinete do deputado estadual Rogério Correia (PT), Álvaro Souza Cruz, procurador da República em Minas Gerais, irmão do deputado estadual Sávio Souza Cruz (PMDB), e o prefeito de Visconde do Rio Branco, Iran Silva Couri, do PT.

Voltando a Fernando Pimentel. O mesmo foi cogitado para ser envolvido também como financiador de site, através da empresa HAP. Envolvidos ainda o ex-presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Diniz Pinheiro, mais alguém da Polícia Civil de Minas Gerais, um rapaz de quem Carone não recorda o nome, e, finalmente, dois dos mais sérios e respeitados promotores de Minas Gerais, Eduardo Nepomuceno e João Medeiros. No final de 2016, consumado o golpe contra Dilma Rousseff e a ascensão do usurpador Michel Temer, por unanimidade, o Conselho Nacional do Ministério Público acabou punindo o promotor Eduardo Nepomuceno, afastando-o do Patrimônio Público e deslocando-o para outra área. O que gerou uma onda de protestos nas redes sociais.

Na conversa gravada com os deputados e o representante da OAB, Carone contou que, em vários momentos, tentou mostrar ao promotor André Pinho que ele estava enganado, inclusive argumentando:

— Doutor, nesse inquérito sou eu, Nílton Monteiro e o Dino Miraglia, já falei…

Como resposta, ouviu:

  — Dino Miraglia não bancou o idiota não, já caiu fora. Falta você cair fora e deixar essa turma ir para o buraco. Só tem filho da puta.

O promotor arrematou dizendo que todos seriam presos.

— Eu virei para ele e disse: “O senhor está enganado. Primeiro, porque eu não conheço o Protógenes”.

— Eu sei que você não conhece o Protógenes. O Protógenes é através do Geraldo Elísio, que trabalhou no Novojornal.

— Mas eu também não conheço o Zampronha…

— O Zampronha era através do Protógenes, que veio para você…

Depois de tudo passado, em muitas conversas com o Carone, ele me confirmou tais dados registrados nestas páginas, acrescentando que o roteiro estava ligado aos interesses de Andrea Neves e do senador golpista Aécio Neves em saber detalhes ligados ao Mensalão Tucano Mineiro e a Lista de Furnas, bem como se inteirar de quais eram as fontes do Novojornal.

Quando se convenceu de que Carone não assinaria o documento, o promotor André Pinho perdeu as estribeiras e o ofendeu moralmente por muito tempo com palavras de baixo calão. Carone me contou ainda que, além de ser responsabilizado pelos contatos com o ex-delegado e deputado federal Protógenes Queiroz, eu seria incriminado em delação premiada como mentor intelectual da inexistente quadrilha — farsa construída por cérebros loucos e irresponsáveis interessados em livrar a cara do Aécio Neves de suas trapalhadas, mantendo perante o Brasil a imagem de um bom moço em vez do bad boy que ele é.

Carone não se esqueceu de informar aos deputados Durval Ângelo e Rogério Correia a intenção do grupo aecista de prender também o jornalista Leandro Fortes, da Carta Capital que, no exemplar uso da sua profissão, era dos poucos a denunciar os fatos que ocorriam em Minas, assim como outros minguados colegas que não se intimidaram.

André de Pinho, autor do pedido de prisão preventiva, já era alvo de denúncia no site do próprio preso. Carone fez essas e outras revelações a Rogério Correia, Durval Ângelo e ao advogado Vinícius Marcus Nonato, representando a OAB-MG. Eles o ouviram no Hospital Biocor, onde ficou internado de 23 a 28 de Janeiro, sob vigília policial. Carone recusou a delação premiada:

— Sou filho de pai e mãe cassados, vou morrer, não tem problema. Mas de mim eles não conseguem nada, em hipótese alguma.

O pai de Carone foi prefeito de Belo Horizonte e a mãe, deputada federal. Carone chegou a ser candidato a governador, por um partido pequeno. Foi legal ao grupo político, mas, no Novojornal, não deixou nunca de publicar notícias de interesse público.

Sua história mostra que a verdade incomoda muita gente e pode gerar reações que a ética não admite.

Valeu a pena, Carone?

Ele diz que faria tudo de novo.

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Marco Aurélio Carone foi candidato a deputado federal nas eleições de 2018, pelo PSOL.

Rogério Correia deveria ter sido escolhido candidato a prefeito para as próximas eleições, mas o PT, na última hora, desistiu de realizar prévias, e o escolhido foi Nilmário Miranda.

Nílton Monteiro deixou a prisão depois de uma condenação que foi revista pelo STJ, com redução substancial da pena, e não deveria ter permanecido preso um único dia — mas passou quase três anos preso. Está com câncer.

O MP pediu a absolvição de Carone, Nílton (em outro processo) e Dino Miraglia. O processo foi arquivado, mas outro grupo do MP apresentou outra denúncia, com base nos mesmos fatos, que o próprio MP havia considerado absolutamente legais.

O promotor André de Pinho foi afastado do MP e recebe aposentadoria. Publicamente, a justificativa do Conselho Nacional do Ministério Público foi a de que ele tinha baixa produtividade.

Aécio Neves foi denunciado criminalmente e está sendo processado por corrupção, mas há algumas semanas o presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu uma investigação contra ele na Justiça estadual.

Eduardo Nepomuceno continua promotor, mas não mais no Patrimônio Público — seu afastamento foi consequência da pressão exercida por Zezé Perrrella, que não disputou a reeleição ao Senado e foi afastado do Cruzeiro, onde presidente e diretor.

Eu publique o livro Diálogo com Ratos, onde publiquei uma versão deste artigo, aqui atualizado e com informações inéditas.

Minas Gerais continua sendo sendo considerado o Estado que é a síntese do Brasil.

O que aconteceu no meu amado Estado, a terra de Tiradentes e da Liberdade, com certeza se repete Brasil.

Esta história tenebrosa, que envolve o poder do grupo de Aécio, precisa ser contada, para que não mais se repita.

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Geraldo Elísio, autor da reportagem que faz parte do livro “Diálogos com Ratos”