
A maioria da base raiz bolsonarista, que raciocina por esquemas religiosos, sabe tanto quanto os líderes da extrema direita que só uma figura pode trair o grande chefe.
Ninguém coloca em dúvida, por enquanto, a fidelidade dos filhos e de Michelle. Mas o núcleo crucial do bolsonarismo sabe que fora dessa base familiar ninguém mais é confiável.
Muito menos Tarcísio ou principalmente Tarcísio. O governador de São Paulo é o único candidato a traidor de Bolsonaro. Tentou se antecipar à escolha do que seria o ungido e mostra duas caras, uma radical à ala liderada pela família e outra moderada à velha direita.
Tarcísio é o que as corporações de mídia e a Fiesp, de novo sob o comando de Paulo Skaf, desejam há muito tempo. É o que, mesmo sem a prisão de Bolsonaro, a direita iria querer, para se livrar da gambiarra de 2018 e de seus danos até aqui.
Tarcísio é o candidato dessa direita que cultiva a ilusão de que pode voltar a ser o que era. Porque é o único até aqui com chances de perder por pouco para Lula. E o que ainda chamam de elite empresarial aposta que ele será outra coisa no poder.
Será destruidor do Estado e da universidade pública e patrocinador dos sabotadores do meio ambiente e de programas sociais, como já faz em São Paulo, mas não será estúpido a ponto de negar vacina à população na eventual repetição de uma pandemia.
Mandará matar quem considera bandido, desde que seja pobre e negro, como manda em São Paulo, mas não dirá que é preciso executar inimigos políticos.
Aí já serve. Tarcísio é o centrão com todas as suas crueldades aperfeiçoadas, mas finge ser terrivelmente bolsonarista. Esse é o cara pronto para o papel de traidor. Não tem outro.
Não há entre Zema, Caiado e Ratinho nenhum bolsonarista. São oportunistas, mas não bolsonaristas, nem de raiz nem de galho. Por isso não podem ser considerados traidores.
Na urgência para que façam a reposição de peças importantes na extrema direita, Tarcísio não é uma peça original. É um tenente que empacou na carreira militar, virou burocrata de Estado e agora é a tartaruga que chegou ao governo de São Paulo e se aproxima da cerca da candidatura à presidência 2026.
Tarcísio confessou em discurso na Paulista, em junho, que não seria nada sem Bolsonaro. Lula disse, em agosto, que é assim mesmo, que Tarcísio só existe porque foi inventado por Bolsonaro.
Mas Eduardo não confia em Bolsonaro. Flavio não diz que confia. O extremista moderado não tem a confiança de ninguém da família. Para complicar, alguém da turma dele cometeu a barbeiragem de mandar dizer, via colunistas amigos dos jornalões, que Tarcísio não quer o encosto de um vice da família na sua chapa. O seu preferido é Romeu Zema.
Essa semana, o poderoso influencer Paulo Figueiredo disse em entrevista que Tarcísio não representa o bolsonarismo. Mas é o que a direita quer, porque não tem outro mesmo.

“Acho que o sistema gostaria muito que alguém como ele fosse candidato representando o Bolsonaro, tendo os votos do Bolsonaro, sem efetivamente representar um movimento político do qual o presidente faz parte”, disse Figueiredo.
O sistema, Alcolumbre, Motta, Lira e todo o centrão querem Tarcísio. A velha Arena quer Tarcísio. Os filhos e o entorno deles vão engolir Tarcísio, se não tiver outro jeito, e hoje não tem.
Eduardo não volta ao Brasil. Flavio não tem força. Michelle não correria esse risco sabendo que se elege senadora por Brasília sem sair de casa. E o resto, os já citados falsos bolsonaristas, são até agora esforçados pangarés.
A família sabe que não mandaria em Tarcísio. Tarcísio sabe que não poderia ser subjugado pelo comando bolsonarista. E todos deveriam saber, pelo que aprenderam com Bolsonaro e os militares desastrados, que poucos gostariam de brincar de novo com desatinos e aventuras golpistas.
O rio da direita precisa finalmente voltar ao seu leito natural, mesmo que a hegemonia do conservadorismo hoje seja a da índole bolsonarista, com algumas graduações.
Tarcísio é o único que pode esclarecer até que ponto o bolsonarismo sobrevive sendo apenas parcialmente bolsonarista. E só conseguirá esclarecer essa dúvida se trair Bolsonaro.
É o único que pode destruir o Estado e as bases da democracia, com o suporte do centrão, sem precisar ser um extremista espetaculoso nos moldes de Bolsonaro.
Mas só chegará a tanto, fazendo o jogo da direita que gostou de ser mais destruidora do que sempre foi, se assumir que é um traidor do maior neofascista brasileiro.