O editorial da Folha criminalizando os manifestantes trocou os fascistas de lugar. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 3 de setembro de 2016 às 23:29
Ele pacificou seu país
Ele pacificou seu país

 

O editorial da Folha criminalizando as pessoas que estão protestando contra Temer, intitulado “Fascistas à solta”, contém, além de uma dose de inumanidade, uma tenebrosa inversão histórica.

Uma estudante perdeu a visão no olho esquerdo na pancadaria da PM na Paulista. Dois fotógrafos foram presos e a câmera de um deles foi destruída.

Nem uma palavra sobre eles. Antes, quem está exercendo seu direito constitucional de espernear são “soldados da arruaça”, que “se infiltram em protestos de esquerda, cujas lideranças têm medo de repudiá-los. Além de danificar propriedade pública e privada, agridem a polícia com o objetivo de provocar retaliação”.

São “grupelhos extremistas”, “psicóticos, simplórios e agentes duplos”. Etc. Claro que aparecem também os bichos papões dos black blocs.

Certamente há gente disposta a partir para a porrada. Mas é notório que os protestos se descontrolam a partir da absoluta incompetência da Tropa de Choque para lidar com esse tipo de situação.

Em janeiro, Walter Forster, ouvidor-adjunto das polícias do Estado de São Paulo, em entrevista ao próprio jornal, apontou que a postura da corporação “deveria ser um pouco mais serena e um pouco menos conturbada (…). Para mim ficou bem claro, em várias ocasiões, a polícia já exacerbada, tensa”.

Mais estranha, porém, é a inversão de papeis. O comportamento desses “milicianos, dispostos a impor seu ponto de vista pela truculência e pela intimidação, merece antes o epíteto de fascista”.

Fascista, repito.

“Democracias incapazes de reprimir os fanáticos da violência são candidatas a repetir a malfadada República de Weimar, na Alemanha dos anos 1930, tragada pela violência de rua até dar lugar à pior ditadura que jamais houve.”

No excelente “Apoiando Hitler”, o historiador Robert Gellately conta como o alemão comum deu suporte a Hitler, de cara, por ele ter combatido e dado cabo do que se convencionou chamar “caos social” no começo de sua cavalgada, em 1933.

Industriais, empresários, a imprensa, todo o establishment o agradeceu por trazer a paz. Prometeu “limpar as ruas” de baderneiros e cumpriu— depois, como se sabe, não parou mais.

O nazifascismo estava na “lei e ordem” e não na desordem. Uma democracia tem de conviver com as demandas das ruas ou não é democracia. O fascismo mora em quem diz que quer “pacificar” a nação.