O efeito do coronavírus na preservação do meio ambiente. Por Luisa L’Henaff

Atualizado em 4 de abril de 2020 às 20:23
Um rebanho de bodes e cabras anda pelas ruas tranquilas de Llandudno, no norte do País de Gales, na terça-feira (31). O grupo foi flagrado pelas ruas desertas da cidade litorânea durante o bloqueio nacional devido ao coronavírus — Foto: Pete Byrne/PA via AP

POR LUISA L’HENAFF

O coronavírus representa uma verdadeira tragédia para a humanidade. As mortes crescem em uma escala assustadora e ameaçam seriamente o território brasileiro. Embora o vírus seja um desastre para nós humanos, é uma grande vitória para a natureza de maneira geral. O isolamento nos obriga a consumir menos e consequentemente poluir e ocupar menos os ecossistemas.

A água do canal de Veneza é agora cristalina, uma vez que não há mais turistas. Peixes e cisnes foram flagrados pela primeira vez em muito tempo.

Cabras e bodes aproveitaram o isolamento para passear por uma cidade no País de Gales.

Na Espanha, as sanguinárias tradições de touradas foram canceladas em função da pandemia, por ser um “espetáculo” de arena que depende de multidões. Mais uma vez, a natureza vence.

Na China, a poluição do ar por dióxido de carbono diminuiu em cerca de 25% nas últimas semanas. “A demanda por eletricidade e produção industrial (da China) permanece bem abaixo dos níveis normais, segundo vários indicadores”, diz o analista Lauri Myllyvirta, do Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo (Crea), em artigo publicado no portal especializado Carbon Brief.

Imagem de satélite da ESA mostra a queda no índice de poluição na Europa.

Uma problemática ambiental sobre a qual vale a pena refletir é como estamos nos alimentando e produzindo alimento. A maioria das epidemias das últimas décadas, sejam elas virais, bacteriais ou parasitoses, são originadas de doenças de animais transmitidas para o seres humanos. O exemplo mais conhecido é a raiva, transmitida através da saliva do animal contaminado com o vírus.

O HIV se originou da caça, do estupro e da ingestão de pequenos primatas. O MERS se originou da ingestão de carne de camelo. O H5N1 começou com indivíduos que comiam carne de pássaro. A teníase, uma das parasitoses mais comuns no Brasil, vem da carne suína ou bovina. O H1N1 (gripe suína) se originou da ingestão de carne de porco. A doença das vacas loucas (CJD) surgiu a partir do consumo de carne bovina.

Por fim, a COVID-19 se originou da ingestão e do contato com animais comercializados no mercado de Wuhan.

Segundo a ONU, a globalização, a urbanização e as mudanças climáticas estão redistribuindo e adaptando patógenos de origem animal, hospedeiros e vetores, aumentando os riscos de pandemia para a humanidade. Somados a isso, os riscos de segurança alimentar e a resistência ao uso de antibióticos também crescem globalmente.

“O ser humano cometeu um erro fundamental pensando poder isolar-se da natureza e não respeitar certas leis de alcance geral. Existe, já há muito, um divórcio entre o ser humano e seu meio”, diz a bióloga Sônia Lopes, do instituto INTERFACES, sobre a dissociação do ser humano com a natureza.

Não é o fim dos tempos: trata-se de um novo mundo. O planeta terra já foi habitado por dinossauros. Assim como eles foram extintos, os seres humanos também podem deixar de existir. A terra não precisa de nós, mas nós precisamos dela porque é nossa casa. Cuidamos muito mal da nossa casa desde a Idade Média. Agora o planeta cria mecanismos para nos eliminar – e está conseguindo.

Essa não é uma guerra que nós podemos vencer, uma vez que somos totalmente dispensáveis para a natureza. Enquanto a humanidade for uma tragédia para todo o resto do planeta, a melhor solução será nos extinguir e continuarmos a ser ameaçados por pandemias.

Devemos, com urgência, mudar nosso estilo de vida. Temos que parar de consumir e descartar tanto, parar de criar animais e plantar monocultura como se só o lucro fosse importante.

É terrível a forma como o vírus está matando e se espalhando, mas ele também nos dá a oportunidade de entender que a economia não é capaz de salvar nenhum país, que hospitais não podem ser tratados como empresas, e que o planeta terra não é um depósito no qual exploramos o que nos interessa e descartamos o que não nos interessa.

Temos que lembrar sempre: nós não comemos dinheiro. Se esgotarmos nossos recursos, o dinheiro passará a não valer absolutamente nada.

Cisnes são flagrados nos canais de Veneza