O elogio da impiedade. Por Wilson Gomes

Atualizado em 11 de março de 2020 às 11:51
Dráuzio Varella e Suzy

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor

POR WILSON GOMES, doutor em Filosofia

A piedade, que se define como “a permeabilidade de coração”, que andava escorraçada do Brasil desde que a impiedosa e ímpia extrema-direita chegou ao poder, ousou botar a cabecinha na janela por meio de Drauzio Varella. Para abraçar uma pessoa que nem sabia mais o que era um abraço humano. A piedade não perguntou se a pessoa era boa, virtuosa e merecedora, nem disto deu recibo e certificado. Viu apenas um humano precisando desesperadamente de afeto em situação desumana, cercada por uma sociedade cada vez mais árida e mais afeita ao medo e ao ódio que o acompanha, e foi lá e a abraçou.

Nunca um abraço custou tanto e foi tão exemplarmente punido. Foi só a piedade assomar na soleira, na companhia da humanidade, esta outra sumida, que choveram pedradas e cuspe na cara. O mais sutil que lhe disseram é que quando se enlaça alguém, abraça-se igualmente todos os pecados do abraçado. E que se abraço um pedófilo endosso a sua culpa e “normalizo” a pedofilia. Se abraço uma pessoa trans estou induzindo todas as pessoas a se tornarem trans, pois não rejeitei a monstruosidade que há nessa condição.

A extrema-direita gosta de economizar na piedade para gastá-la em abraços em milicianos, corruptos e prevaricadores, ou em endosso a torturadores e assassinos políticos. Para pedófilos, assassinos comuns e pessoas trans não pode haver piedade, e cada abraço em uma delas é um insulto, a ser punido com linchamento. Além disso, a extrema-direita quer regulamentar a piedade, a própria e a dos outros. Não só quer dissipar a sua piedade com torturadores e ditadores como também quer controlar a direção para a qual se encaminha a piedade alheia, que deve ser magra, seletiva e desumana.