O estado mais antiindígena do Brasil

Atualizado em 17 de junho de 2013 às 6:09

O Mato Grosso do Sul vai cometendo um genocídio impunemente.

Uma epidemia de suicídios entre os indígenas de Mato Grosso do Sul
Uma epidemia de suicídios entre os indígenas de Mato Grosso do Sul

O artigo abaixo, de autoria do indigenista  Egon Heck, foi publicado originalmente no site da Unisinos.

“Isso já passou de todos os limites”, exclama Otoniel Kaiowá Guarani, ao ser informado do assassinato de mais um parente.

A polícia federal se apressa em ir ao local para esclarecer (ou não) mais essa morte de indígena no Mato Grosso do Sul. E para evitar  animosidade, já vai adiantando que provavelmente a morte não tenha nada a ver com o conflito de terras indígenas na região.

Enquanto Celso Figueiredo vai sendo velado com prantos indignados em Dourados, cinco Kaiowá Guarani são presos, incluída a professora Efigenia, grávida.

As lideranças  são da Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, aldeia Ytaí, município de Douradina.

Nada disso é novidade no estado mais antiindígena do país.

Enquanto, o Guarani Celso, assassinado por pistoleiros, está sendo velado, na Terra Indígena Paraguasu, no município de Paranhos, fronteira com o Paraguai, uma delegação Kaiowá Guarani e Terena se encontra com vários ministros e parlamentares.

Eles vão repetir mais uma vez o que foi denunciado milhares de vezes nas últimas décadas: demarquem nossas terras, parem de nos matar, punam os assassinos confessos e reconhecidos.

Porém o Mato Grosso do Sul faz a leitura ao avesso: mata e prende os índios.

Isso tem seu preço.

O Brasil e o mundo não aguentam mais esse genocídio. Os povos indígenas não podem continuar sendo sacrificados no altar do progresso.

Enquanto isso roncam  os tratores e as vozes estridentes de Katia Abreu e outros lideres do agronegócio em todo o país.

Talvez estejam temerosos de que o Relatório Figueiredo e as CPIs de 1953 e 1963 façam vir à luz as maracutaias que se faziam, com as elites do então estado do Mato Grosso apossando-se  das terras indígenas.

Não é por nada que não se realiza um levantamento sério e aprofundado das cadeias dominiais e da estrutura fundiária.

Nos gabinetes e corredores vai sendo costurado um novo modelo de identificação e regularização das terras indígenas, com mais interlocutores na mesa.

Vão sendo constituídas novas rodadas de negociação e esclarecimentos entre vários ministérios e lideranças indígenas Kaiowá Guarani e Terena.

Também a Comissão Especial formada pelo Conselho Nacional de Justiça  voltou a se reunir, para ajudar a encontrar saídas para a situação das terras indígenas no MS, que tem ocasionado um gravíssimo cenário de assassinatos, feridos, prisões e ameaças.

Apesar de os indígenas não terem nenhuma ilusão de que seja fácil ou rápida a solução do reconhecimento e demarcação das terras no Mato Grosso do Sul, eles acreditam que é importante manter os espaços de diálogo e a visita das autoridades à região para ver e sentir no local as dramáticas realidades das comunidades e povos locais.

Para o mês que vem várias visitas das comissões e ministérios estão previstas. Quem sabe em alguma coisa se avance.

De 1988 a 2012 mais de mil suicídios aconteceram entre os Kaiowá e Guarani, o que evidencia o grau de desespero e descrença na solução dos problemas, principalmente da terra. E mais de 300  indígenas da etnia foram assassinados.

No Mato Grosso do Sul, existe propagação permanente de racismo, discriminação e ódio contra os indígenas tanto pela mídia local quanto pelos fazendeiros antiindígenas e autoridades locais.

Os assassinos das lideranças indígenas não são punidos no MS, e a impunidade alimenta as violências contras os indígenas do MS.

Mais uma semana de muita conversa, reuniões e manifestações dos povos indígenas em Brasília. Foram acionadas as válvulas de escape da panela de pressão.

Os povos indígenas do Xingu, Tapajós e Teles Pires retornaram a suas aldeias, depois  de mais de uma semana aguentando o frio do planalto central.

Deram o recado.

Voltaram de cabeça erguida, certos de que a luta apenas começou.