Enviado por um amigo do DCM:
Com um pequeno atraso de cerca de cinco meses, foi ao ar, na primeira edição de 2017 do programa Roda Viva, da TV Cultura, uma das mais interessantes entrevistas realizadas pelo programa da estatal tucana, no ano passado. O convidado foi o jornalista Cid de Queiroz Benjamin, que estava lançando à época da gravação, no dia 11 de agosto de 2016, o livro “Reflexões Rebeldes”, pela editora José Olympio, que já publicara seu livro de memórias intitulado “Gracias a la Vida”, de 2013.
Trata-se, de acordo com o próprio autor, um dos mais lúcidos sobreviventes da esquerda armada que combateu a ditadura militar, de uma coletânea de textos, com “críticas duras à direita e a certas posições da esquerda” sobre a política brasileira. Ex-dirigente do MR-8, preso em 1970, Benjamin foi um dos 40 presos políticos libertados no sequestro do embaixador alemão Ehrefried Von Holleben e banidos para a Argélia.
De volta ao Brasil, com a anistia de 1979, depois de passar pelo Chile, Cuba, México e Suécia, Benjamin rapidamente reintegrou-se à política nacional, participando da fundação do Partido dos Trabalhadores, do qual se desligou em 2005, para fundar o PSOL. “O PT ficou excessivamente parecido com o PSDB na política e o PMDB nos métodos”, afirmou certa vez.
O verdadeiro motivo do convite feito a Benjamin vai muito além do “gancho” representado pelo lançamento do seu livro. Em agosto, quando Benjamin enfrentou a bancada de entrevistadores do programa, desenrolava-se a última etapa, no Senado, do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, concluído no último dia daquele mês de agosto, com a cassação do seu mandato por 61 votos a 20.
Num momento em que a tentativa de destituição da presidente eleita por 54,5 milhões de votos era rotulada como uma manobra claramente golpista pelos partidos políticos progressistas e movimentos populares, contar com um eventual aval pela esquerda era tudo o que a turma do Roda Viva, comandado pelo jornalista Augusto Nunes, notoriamente engajado na mobilização anti-Dilma, sonhava.
Infelizmente para Nunes e para os espectadores do programa, que tiveram de esperar pelo fim do inverno, a passagem da primavera e o início do verão para ter acesso à entrevista, o sonho da legitimação da farsa se esvaiu logo nos primeiros minutos do programa.
De cara, Cid Benjamin, rotulou o processo de impeachment em curso de “golpe paraguaio”, para desgosto de Nunes, que invocara a suposta legitimidade assegurada pela Constituição, que prevê esse mecanismo, combinada com o estabelecimento do rito pelo Senado e a com aprovação do afastamento da presidente já concedida pela Câmara dos Deputados. Afirmou que golpes armados como o de 1964 deram lugar na América Latina a deposições sem sangue, como já ocorrera no Paraguai e em Honduras, via a intervenção do Legislativo.
“É preciso respeitar a legitimidade de quem foi eleito e teve mais de 54 milhões de votos”, afirmou. “Quem perdeu que vá disputar em 2018. O fato de um governo estar ruim, com uma aprovação baixa, não é motivo para derrubá-lo, no presidencialismo”.
Benjamin lembrou que a falta de base material para o impeachment foi reconhecida pelo próprio Michel Temer, então presidente interino. Ao seu ver, as pedaladas, “que não têm nada de corrupção”, como enfatizou, foram praticadas pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, e por um grande número de governadores, nos Estados.
Dali em diante, todos os principais argumentos levantados por alguns dos entrevistadores foram rebatidos com firmeza, embora não faltassem críticas de Benjamin à condução da economia no governo Dilma, em especial ao ajuste tentado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, na contramão das propostas de campanha, e condenação à parceria do PT com o que definiu de “turminha brava” do PMDB.
Nesse sentido, desmontou com bom humor a tentativa do mediador do Roda Viva de apresentar Temer como sucessor legítimo de Dilma, a despeito da ilegitimidade do processo. “Eleição presidencial é um voto no presidente, ninguém votou no Temer, embora seja claro que a máquina do PMDB ajudou”, disse. “Você não escolhe sua esposa pela sogra, escolhe por ela. Quem votou na Dilma, votou na Dilma, Michel Temer veio de contrabando. Não vi um panfleto do Temer”.
No embalo, ridicularizou a tentativa de Temer e de seu partido de tentarem se desvincular de Dilma, no processo em curso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre os gastos de campanha, aberto pelo PSDB, partido que rotulou como de direita, escandindo todas as sílabas. “Não podem dizer que estavam juntos quando se quer invocar a legitimidade de Temer, como vice, e que estavam separados na hora em que as contas de campanha são questionadas”.
Sempre com um viés de esquerda, Benjamin, que se considera atualmente um simples militante do PSOL, criticou o financiamento empresarial das campanhas eleitorais, preconizando o recurso às doações de militantes e simpatizantes dos partidos ao mesmo tempo em que defendeu uma profunda reforma tributária no país, que gravasse mais o capital, em especial financeiro, e os altos salários.
Ao tratar da Lava Jato, Benjamin certamente mais do que decepcionou seus anfitriões, reforçando os motivos para o engavetamento por 144 dias da entrevista. Em principio, ele diz avaliar positivamente a operação, pelo papel no combate à corrupção. No entanto, não poupa a atuação da mídia e do Judiciário em geral, que dão tratamento diferenciado ao PT e às outras forças políticas envolvidas nas denúncias de corrupção. “A imprensa repercute muito mais o que o PT faz de ruim”, disse. “O escândalo do Metrô se arrasta há oito anos, ninguém foi condenado”.
É fácil de entender, portanto, por que o Roda Viva emperrou nos últimos cinco meses, só liberando a entrevista de Cid Benjamin neste início de 2017 – reeditada já com o novo fundo musical, que passou a substituir a música de Chico Buarque depois que o compositor, desgostoso com a direitização do programa, proibiu sua utilização.
Composta pelos jornalistas Pedro Venceslau, do Estadão, Eleonora de Lucena, da Folha de S. Paulo, Guilherme Evelin, da revista Época, Alipio Freire, ex-Folha e artista plástico, e Marcelo Bairão, da subsecretaria de Comunicação do governo Alckmin, a bancada de entrevistadores foi uma das menos rançosas e antipetistas dos últimos tempos do Roda Viva. Em praticamente todo o programa, o nível do debate foi elevado e respeitoso. A exceção ficou por conta de Bairão, um tipo geralmente afável e ponderado, em quem parece ter baixado um Marco Antônio Villa rápido, como se pode ver a partir dos 40 minutos do programa.
A certa altura, após ter levantado a participação de Benjamin como repórter na cobertura da morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, Bairão introduziu, intempestivamente, a discussão sobre as infiltrações dos agentes da repressão nas organizações de esquerda, durante a ditadura militar. Entre tantos episódios possíveis de serem mencionados, não por acaso, o funcionário tucano se referiu à dizimação do grupo Molipo (Movimento de Libertação Popular), uma dissidência da ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella – cuja maioria dos integrantes foi morta ao regressar ao Brasil, após um período de treinamento militar em Cuba.
Como quem não queria nada, mas querendo, Bairão, que demonstrou à exaustão sua ignorância no tema, ao vincular o ex-Cabo Anselmo ao Molipo, disse estranhar a forma como ocorreram as quedas dos militantes do Molipo, e o fato de que todos os elementos do grupo, à exceção do ex-ministro José Dirceu, tenham sido mortos. Visivelmente incomodado, Benjamin respondeu à questão envolvendo uma eventual traição de Dirceu. Primeiramente, desmentiu a informação de que o Cabo Anselmo, que pertencia a outro grupo, a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), tivesse participação no episódio.
Em segundo lugar, disse achar ruim o tipo de insinuação feita pelo jornalista, principalmente num momento em que Dirceu está fragilizado, preso em Curitiba.
“Essa é uma coisa gravíssima”, afirmou. “Ou se tem provas e se faz uma acusação direta ou então não se trata desse assunto.” Depois de revelar que não se dá bem com o ex-ministro, com quem tem muitas divergências políticas, Benjamin arrematou. “Nesse caso, eu o defendo, não sei de nenhum elemento que comprometa o Zé Dirceu nessa história do Molipo.”
Na sequência, coube a Alípio Freire dar o golpe de misericórdia na tentativa de intriga. Depois de reafirmar, a exemplo de Benjamin, suas “1001 divergências”, com Dirceu, Freire retificou a informação dada por Bairão: “o Zé Dirceu não foi o único do Molipo que sobrou.”
E o livro “Reflexões Rebeldes”? Se a intenção do mediador Augusto Nunes era ajudar a dar uma turbinada na obra do amigo Cid Benjamin, que foi seu repórter à época em que dirigia o finado Jornal do Brasil, não passou disso, intenção. É certo que o Ibope do Roda Viva não é nenhuma Brastemp e está mais para rodapé – nos bons momentos mal ultrapassa a casa do 1% . Mesmo assim, certamente o adiamento da apresentação do programa frustrou o autor, que se deslocou do Rio de Janeiro para São Paulo,especialmente para a entrevista. Talvez, agora, alguns exemplares saiam das estantes das livrarias, pois Benjamin é sempre uma leitura relevante. Como diz o ditado, antes tarde…
Em tempo: no dia 11 de agosto, em plena efervescência do processo de impeachment, a atração do Roda Viva foi o cônsul geral da França, em São Paulo, Damien Lores, que no mês anterior havia deixado o posto e se licenciado da carreira diplomática para abrir uma consultoria em sociedade com sua esposa Alexandra, ativista da igualdade racial e do empoderamento da mulher negra, em São Paulo.