O “fala que eu solto, cale e apodreça” chegou ao Supremo. Por Fernando Brito

Atualizado em 27 de outubro de 2019 às 13:44
Teori

Publicado originalmente no blog Tijolaço

POR FERNANDO BRITO

A “negociação” entabulada com o Ministro Teori Zavascki e a organização formada por Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato para obter um acordo de delação premiada de executivos da empreiteira Andrade Gutierrez – mostrado pela Folha, a partir das trocas de mensagens obtidas pelo The Intercept – evidencia dois fatos aterradores.

O primeiro, de efeitos processuais evidentes, que a escancarada participação militante do juiz na condução do processo acusatório, capaz por si só de dar nulidade – segundo claramente expresso na nossa lei penal – é um mal que não ficou restrito ao justiceiro de Curitiba, mas escalou até os gabinetes do Supremo Tribunal Federal e atingiu até o mais sagrado dos instrumentos da prudência judicial: o habeas corpus, quase um sinônimo do Estado de Direito.

As “falas” de Sérgio Moro, tratando as prisões como moeda de troca de delação, são a crua expressão de que seu comportamento era o da “ética da finalidade”, o popular “o fim justifica os meios”.

O segundo, de alcance ainda maior, o de que o sistema de prêmios e castigos da chamada “delação premiada” é, em si, um corruptor da Justiça, que transforma o seu papel no de corte inquisitorial, onde declarar o que é o desejo do inquisidor passa a ser condição para que o acusado saia da masmorra, ainda que a lei não justifique mantê-lo lá.

Não é preciso ser jurista para ver ao que leva dar-se a qualquer um – de investigador de Polícia a ministro do Supremo – o poder de dizer: entrega que eu te solto, não fale e apodreça aí”.

Literalmente, pois as prisões que os habeas corpus engavetados por Teori Zavascki – com a condição de, “por fora”, Sérgio Moro afrouxar a cadeia já de cinco meses em que os acusados eram mantidos – significa que se barganhou liberdade de pessoas pela promessa de que delatariam aquilo que era desejo do Ministério Público.

Falar que a delação, como prevê a lei, é um ato voluntário, não merece outro nome senão o de brincadeira lúgubre com o Direito.

Pretender, com o abuso dos meios legais de coação, um fast-trackuma via rápida de acusação criminal – é o caminho seguro para transformar a persecução penal em selvageria.

Se é válido até para fazer um ministro da Corte Suprema deixar de cumprir sua obrigação funcional de apreciar e julgar um HC, o mais sagrado instrumento de defesa das garantias individuais, como não será válido ao policial “dar umas porradas” num acusado, para que ele delate seus companheiros de crime, para salvar a própria pele?

Afinal, qual é a diferença entre um juiz que “engaveta” para fazer delatar e o monstro que foi exibido estes dias na rede, num curso de preparação para policiais, que faz apologia da tortura como meio de delação?