O fascismo argentino venceu o primeiro duelo com o povo nas ruas. Por Moisés Mendes

Atualizado em 20 de dezembro de 2023 às 21:40
Povo argentino com faixas em manifestação
Reprodução

Javier Milei acompanhou o início da mobilização do 20 de dezembro em Buenos Aires sentado num mesão de controle de imagens, diante de monitores que mostravam as ruas, na sede da Polícia Federal.

Era filmado com a mão no queixo e uma cara de quem estava ausente e não falava com ninguém no entorno, nem mesmo com sua ministra da Segurança, Patricia Bullrich, que ficou em pé, logo atrás dele.

Imagens do governo mostravam a cena nas TVs. Por volta das 16h50min, deixou a sede da PF e entrou num carro.

Acenou para as pessoas e não parou de sorrir. Enquanto isso, o povo continuava caminhando em direção à Praça de Maio.

Polícia de choque em confronto com manifestantes em Buenos Aires, na Argentina. Foto: Luis ROBAYO/AFP

Ali, naquele momento em que decidiu deixar a sede da PF, Milei já sabia que a manifestação, imaginada pelas esquerdas com pelo menos 50 mil pessoas nas ruas, havia fracassado. Por isso sorria.

Uma hora depois, a aglomeração começava a ser desfeita. E aí foi exposta a verdade. Não adianta dizer que foi importante, que foi o que deveria ter sido, que teve expressão política.

Como afronta ao fascismo, a mobilização foi quase um fiasco. Foi o que deu para ver durante todo o dia na TV C5N. As imagens denunciavam vazios na Praça de Maio. Por medo?

As TVs mostravam que as pessoas ficavam no entorno da praça, num dia em que Patricia Bullrich mandou que policiais filmassem trabalhadores nos ônibus (para confrontar seus rostos com os dos cadastros de programas sociais), distribuiu gente armada pelo metrô e pelas ruas e cercou a Casa Rosada.

Leandro Santoro, deputado peronista derrotado esse ano na eleição para o governo da cidade de Buenos Aires, admitiu: havia mais policiais do que manifestantes nas ruas.

O que aconteceu? Seguem algumas tentativas de repostas objetivas, pelo que foi dito e visto durante o dia. Primeiro, só as esquerdas do ativismo popular e de rua, dos chamados grupos piqueteiros, enfrentaram Milei e Patricia.

O peronismo não apareceu. Nem mesmo a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), também dominada historicamente pelos peronistas.

O fracasso cai no colo do Polo Obrero, uma organização com forte base social, que agrega grupos de esquerda e marca posição de forma ostensiva nas ruas.

Foram vistos, tentando motivar o povo, o líder do Polo Obrero, Eduardo Belliboni, e a candidata à presidência na eleição desse ano Myriam Bregman, da coalizão Frente de Esquerda. Os dois mostravam a cara nas TVs.

E os peronistas e kirchneristas? Sumiram. Ninguém ligado a Cristina ou a Massa. Ninguém da CTG. Nenhum político com mandato. Nada.

Milei e Patricia criaram uma arapuca ao ameaçar com repressão. Os políticos não correram o risco de ficarem marcados por envolvimento com eventos violentos. E os sindicalistas saltaram fora da possível frustração.

Ficou no ar a pergunta de uma comentarista de TV, que, incomodada com a ausência de líderes de esquerda, indagou: a presença maciça de forças policiais se repetirá no 24 de março?

É a data em que o povo vai às ruas todos os anos para marcar o início da ditadura em 1976. É a grande manifestação dos argentinos em defesa da memória. Mas eles terão de esperar por mais três meses.

Mas quantos foram às ruas? No início da noite, Patricia reuniu a imprensa para falar do fracasso, quando disse que ações de piquetes em Buenos Aires existem há mais de 20 anos.

Na média, segundo ela, os bloqueios envolvem de 20 mil a 50 mil pessoas. “Hoje o número foi totalmente reduzido”.

E voltou a ameaçar cortes de benefícios sociais de quem tentar voltar às ruas. A ministra admitiu que as pessoas foram filmadas e, se as autoridades identificarem delitos, seus rostos serão confrontados com as imagens de cadastros do governo. Vem represália.

Agora à noite, Milei anuncia seu pacote ‘liberalizante’, que entrega o povo às forças do mercado. O fascismo venceu. Os piqueteiros e os partidos de esquerda terão como produzir uma invertida? Mas só em março?

Publicado originalmente no Blog do Moisés Mendes

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