O feminismo saiu chamuscado por condenar prematuramente Neymar apenas por ser Neymar. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 8 de junho de 2019 às 14:13
Neymar (Pascal GUYOT/AFP)

Se tem uma coisa para a qual o caso Neymar serviu, essa coisa foi nos fazer questionar nossos métodos – não no âmbito individual, mas enquanto militâncias feministas e/ou de esquerda.

De ambos os lados, estava a postos o tribunal das redes sociais.

Os marmanjos da brodeiragem, depois de uma breve perícia nos prints deliberadamente expostos pelo jogador, apressaram-se em enquadrá-lo como “o homem poderoso que é destruído por uma mulher bonita e maquiavélica”. É assim desde Lilith e Eva.

Já a maioria dos grupos feministas e páginas de esquerda estavam prontos para baterem o martelo: culpado!

Penso, inclusive, que a sororidade sem critérios com a qual acolheram essa mulher – desde o início, pouco favorecida pelos fatos concretos -, decorre dessa mania que as militâncias têm de quererem salvar o outro, trazê-lo para a luz de sua própria verdade.

Esse impulso de levar a palavra do feminismo às fracas e oprimidas está levando muitas mulheres e grupos à incoerência.

Fora que acusar um jogador de futebol direitista é sempre um prato cheio. Mesmo que a história toda não faça o menor sentido.

Narrativamente, bater em Neymar é bom, sobretudo, porque ele é Neymar.

Engraçado – ou deprimente – é que eu perguntei a uma conhecida da militância feminista (que postava defesas muito entusiasmadas à suposta vítima desde que o caso chegou à mídia) se ela não se preocupava com a descredibilização de acusações reais de estupro, que aconteceriam em muito maior escada depois da repercussão desse caso, caso ficasse provado que a mulher estava mentindo.

Eis a resposta, na íntegra: Nunca a defesa de uma mulher vai ser prejudicial à denuncias de estupros. O que prejudica e tira a credibilidade de uma denúncia é o patriarcado.

Oi?

Então vivemos enfim a completa dissolução do indivíduo? Uma mulher não pode estar mesmo mentindo, tentando aplicar um golpe?

Ou então tudo bem se todo o movimento feminista tomar partido de uma mentirosa diante da opinião pública? Isso é no mínimo de uma ingenuidade triste.

Na maioria esmagadora das vezes, mulheres que denunciam estupros estão de fato falando a verdade – e são descredibilizadas e demonizadas em todas as esferas da sociedade.

Mas, em casos isolados, mulheres também mentem, como humanas que são – daí a importância de valorizar e respeitar o indivíduo, que sempre será a menor minoria.

Em vez disso, os feminismos e as esquerdas se apressaram em acolher a mulher só porque é uma mulher e condenar o homem só porque é um homem (de direita, diga-se). Fecharam os olhos para o fato, socaram a cara da coerência e saíram berrando que é “culpa da cultura do estupro.”

E ai de quem tentasse discordar: aqui vos fala quem quase teve carteirinha de feminista cassada apenas por fazer um convite à coerência: até então, apenas a exposição dos prints no Instagram – crime de reveng porn – é realmente condenável. .

Tive comentários apagados em grupos feministas e ouvi que eu estava “passando pano pra macho.” Como se os fatos importassem menos que os achismos – tal qual os terraplanistas – vivi pra ver feministas censurarem a coerência.

Ao fazerem isso, desrespeitaram a luta coerente que muitas ainda tentam empenhar contra a cultura do estupro.

Desrespeitaram todas as mulheres que realmente foram estupradas e lutam por justiça. Mais do que isso: deram insumo às acusações que temos sofrido enquanto movimentos – incoerentes, patrulheiras, militontos…

Graças a isso, tivemos até que lidar com o desaforo da “Lei Neymar da Penha.”

De agora em diante, toda a pressão que tentarmos exercer enquanto movimentos, todo barulho que tentarmos em casos de violência de gênero, tudo isso a que temos chamado de “resistência” será ainda mais descredibilizado e, se continuarmos neste caminho, muito em breve se tornará inútil.

Parabéns aos envolvidos.

Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.