Por Moisés Mendes
Bolsonaro é derrotado, avalia perdas e sai de cena para um inferno com labaredas e temperaturas imprevisíveis. Mas a extrema direita pode se reorganizar e retornar ao poder, até mesmo no curto prazo?
Cientistas políticos que já erraram em 2018, quando subestimaram Bolsonaro, agora superestimam a capacidade de sobrevivência do fascismo e seu protagonismo político, com ou sem o seu líder.
É mais um jogo de adivinhação. Quem imagina, com os dados disponíveis hoje, que um sujeito sem capacidade de organização, sem vínculos com grupos políticos, sem partido e sem a confiança de seus cúmplices poderá sobreviver politicamente e liderar o que sobrou do que seria sua base social?
Bolsonaro é quase um analfabeto político, a tartaruga que subiu na árvore. A extrema direita agregada em torno dos militares que o tutelaram não sobrevive sem ele. Mas não por sua liderança.
Bolsonaro teve utilidade como improviso e poderia ter ido mais longe. Mas não soube se transformar em solução duradoura para a direita.
Cumpriu sua função, depois do golpe contra Dilma e do encarceramento de Lula, mas esgotou-se como enjambração capaz de substituir o tucanismo. Bolsonaro não evoluiu e não alargou seu alcance.
Não há um nome, um só, do entorno dele que possa substituí-lo na tentativa de reorganização das tropas da extrema direita, enquanto ele estiver prestando contas ao Ministério Público e à Justiça.
Os filhos de Bolsonaro só existem como filhos de Bolsonaro. Um é empreendedor, o outro tentou ser líder do fascismo latino-americano, com alguma projeção internacional, e o mais novo é um guerrilheiro digital com as armas básicas fornecidas pelos chefes das milícias de Trump.
Todos são politicamente medíocres, mesmo que fortes em seus nichos. Todos continuarão se reelegendo com votações recordes. Mas não serão quase nada sem o pai no poder.
Bolsonaro não é o que Juan Guaidó representa para o golpismo crônico venezuelano, ou Luís Fernando Camacho para os bolivianos anti-Evo Morales ou Mauricio Macri para a guerra ao kirchnerismo.
Não há nada parecido com a precariedade de Bolsonaro na América Latina. Não existe nada semelhante a ele no Peru, Chile, Paraguai, Uruguai, Equador.
O apoio de um terço da população, que o sujeito ainda segura às vésperas da eleição, foi o que sobrou da tentativa desesperada de manter unido, por pragmatismo, o que seria, por simplificações grosseiras, apenas antilulismo, antipetismo ou anticomunismo.
Bolsonaro foi o que restou aos que temiam a ascensão dos pobres e não apostavam na capacidade de contenção desse avanço por parte de João Doria, Mandetta, Sergio Moro, Huck, Eduardo Leite, Simone Tebet, Ciro Gomes.
Encerrada a eleição, sem mais nada a oferecer à velha direita, o bolsonarismo retorna à sua base de 18%, desta vez dispersa e desorientada. E o antilulismo ‘moderado’ terá de procurar outras saídas.
Os que acreditam numa ressurreição da extrema direita como projeto político e eleitoral, depois da derrota de Bolsonaro, depreciam a capacidade de defesa da democracia.
Terão de aprender com os americanos sobre a reação institucional, que muitos não esperavam, aos crimes de Trump.
A direita americana poderá até voltar logo ao poder, e quem sabe já na próxima eleição, mas nunca mais com Trump, cercado por Congresso, Ministério Público e pela Justiça.
É o que se vislumbra no Brasil. Bolsonaro não voltará a ser o que era, porque nem mandato terá mais.
Não há substituto para o que ele foi e para o que não conseguiu ser. Haverá um vazio que centro e direita terão de comemorar e preencher.