O final dos tucanos: da social-democracia ao neoliberalismo. Por Emir Sader

Atualizado em 3 de julho de 2020 às 12:08
A imagem do retrocesso
O PSDB nasceu como corrente dentro do PMDB de Sao Paulo contra a hegemonia do Quércia dentro do partido em São Paulo. A convenção de fundação teve esse caráter, tinha Franco Montoro, de ideologia democrata-cristã, FHC, Covas e Serra, que se identificavam com a social-democracia europeia.
Na hora de definir o nome do partido, terminou predominando esta última corrente, ao reivindicar a social-democracia. Apesar de ser uma social-democracia completamente diferente dos outros partidos que assumiam essa ideologia – como a Ação Democrática na Venezuela, o Partido Socialista no Chile, entre outros, o PSDB nunca teve nenhuma raiz no movimento sindical.
Naquele momento, a social-democracia europeia começava sua transição do seu projeto histórico de democratização do capitalismo para a reivindicação do neoliberalismo. No primeiro ano de governo de Francois Mitterrand como presidente da França, ele começou a colocar em prática as reformas reivindicadas historicamente pelo socialismo francês. Mas sofreu os ataques duros de Reagan e Thatcher, que pregavam o modelo neoliberal. Isolado, Mitterrand mudou seu governo a partir do segundo ano, assumindo a política de ajustes fiscais, abandonando as reformas econômicas e sociais.
FHC olhou para essa tendência e, quando assumiu o Ministério de Economia, ainda no governo de Itamar Franco, trilhou esse caminho, dando continuidade ao modelo econômico de Fernando Collor de Mello, que ele tomaria como o carro-chefe da sua presidência. Chamou ACM e fez alianças com o PFL, concluindo a virada histórica do PSDB no Brasil, abandonando qualquer traço social-democrata e se assumindo como o partido da direita brasileira, com seu modelo neoliberal.
O momento de maior destaque do PSDB foi o governo de FHC, que foi marcado pela implementação das políticas neoliberais no Brasil. Depois da queda de Fernando Collor por acusações de corrupção, o PT se apresentava como favorito para ganhar as eleições de 1994 e, de fato, Lula liderava as pesquisas, com um programa centrado em dois pontos: a ética na politica e programas sociais para o Brasil.
FHC reformulou o projeto de Collor e fez campanha em torno da luta contra a inflação – um “imposto aos pobres”, segundo ele – e mudou o cenário eleitoral rapidamente. A esquerda não tinha resposta sobre a questão da crise fiscal do Estado, perdeu a iniciativa, e FHC ganhou no primeiro turno. A esquerda foi derrotada, em um clima de fim da URSS, de hegemonia do Consenso de Washington e do pensamento único, com o suposto fim da polarização entre direita e esquerda.
O ajuste fiscal do governo conseguiu controlar a inflação, mas ele não implementou políticas sociais, na esperança de que a estabilização monetária e o equilíbrio das contas públicas pudesse distribuir renda e ganhar apoio popular para o PSDB. Esse apoio foi suficiente para que FHC derrotasse, de novo, Lula no primeiro turno, em 1998.
Porém, poucas semanas depois das eleições, o governo elevou a taxa de juros a quase 50%, para tentar brecar a fuga de capitais, expressão do fracasso governo, jogando a economia numa recessão profunda e prolongada, da qual o país só sairia no governo Lula.
FHC sai do governo desprestigiado, não consegue eleger Serra como seu sucessor e o PSDB perderia quatro eleições sucessivas para o PT, com seu programa antineoliberal. Mas o partido seguia sendo o partido orgânico da direita brasileiro, com seu programa neoliberal.
Até que, depois da quarta derrota, em 2014, os tucanos, levados por Aécio Neves, assumiram a via do golpe contra o governo do PT. Nas mobilizações levadas a cabo pela direita, os tucanos perderam suas bases principais de apoio, a classe media, que rejeitou a ida de Serra e Alckmin nas manifestações, optando pela liderança de políticos de extrema direita, entre eles  Bolsonaro. Naquele momento o PSDB sofreu um golpe mortal e Alckmin ficou em quinto lutar nas eleições de 2018, em que a direita optou por Bolsonaro.
A sobrevivência de líderes tucanos, com os governadores de São Paulo e do Rio Grande do Sul, se deu pela adesão ao governo de Bolsonaro. Quando este governo perde apoio e se enfraquece, os tucanos tentam sobreviver com Eduardo Leite e com João Doria, que pretendem encontrar espaço e chegar ao segundo turno, diante da polarização entre a extrema direita e o PT.
Os processos contra Serra são a maior expressão da corrupção dos governos tucanos em Sao Paulo. São expressão do processo de esgotamento político do PSDB, que tem na inexpressiva presença de FHC sua imagem final.
Quando perdeu seu lugar de partido orgânico da direita, o PSDB ficou relegado a um papel de apoio envergonhado de Bolsonaro. Da social-democracia original, os tucanos passaram a ser o partido do modelo neoliberal e agora, fenecem, deslocados pela extrema direita e pela decadência irreversível dos seus dirigentes: FHC, Alckmin, Serra e Aécio. Que em paz descansem.