O fotógrafo que a PM cegou quer justiça

Atualizado em 28 de agosto de 2013 às 13:21

Sérgio Silva, cujo globo ocular foi destruído por um tiro de bala de borracha, iniciou um movimento para proibir esse tipo de munição em protestos.

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O 13 de junho foi aquela quinta-feira negra em que a PM paulista brincou de atirar em qualquer coisa que se movesse.

Rosto mais em evidência nos dias que se seguiram, a repórter Giuliana Vallone da Folha de S. Paulo estampou todas as manchetes com seu olho roxo, inchado e sangrando. Mas naquela mesma noite o fotógrafo Sérgio Silva teve um ferimento muito mais grave. Se tivesse sido a imagem dele a circular nas primeiras páginas, a revolta popular poderia ter sido ainda maior. Sérgio teve o globo ocular totalmente destruído por um tiro de bala de borracha. No último dia 25 de julho foi confirmada a impossibilidade de recuperação de sua vista. Sérgio está cego do olho esquerdo. O período foi de grande angústia pois os médicos aguardavam alguma evolução no processo de regeneração antes de uma intervenção mais drástica. Contudo, desde o início mantiveram Sérgio ciente de que as chances eram mínimas.

Freelancer da agência FuturaPress, era sua primeira incursão nas manifestações de junho. Até então, esteve trabalhando em outras pautas. Na avenida Consolação, a imprensa foi atacada cruelmente por balas e bombas. Após um breve momento entrincheirado atrás de uma banca de jornal, Sergio saiu para mais fotos e estava olhando o display da câmera, conferindo seu último click, quando sentiu o impacto e imediatamente uma dor indescritível.

Sem ter sido socorrido por nenhuma viatura (foi amparado por um manifestante e dirigiu-se a pé até o hospital Nove de Julho) também não foi procurado até agora por qualquer agente do estado ou da polícia. “Nem uma ligação sequer. Até agora estão em silêncio. Seria interessante sentir que o estado a quem você se dedica, para quem você contribue e de quem você às vezes depende, tivesse uma preocupação com você, mas sinceramente nem espero isso mais.” O fotógrafo conta sentir uma dor diferente hoje. “Todos os dias, quando me vejo no espelho ao acordar, sinto uma dor enorme pelo que ocorreu”, relata enquanto tira os óculos escuros. O tampão cor da pele é discreto. “Minha aparência visual reflete a violência que sofri.”

Sérgio ainda não entrou com uma ação contra o estado até o momento. “Estou aguardando uma recuperação não só física (em breve precisará submeter-se a outras cirurgias pois ainda tem duas fraturas ósseas na mesma região também em consequência do impacto da bala), mas psicológica para enfrentar essa ação.” Equilibrado, não pretende agir de cabeça quente ou movido pela raiva que diz ainda sentir, mas cujos trejeitos tranquilos não deixam transparecer. Não deseja o olho por olho. Expõe seu raciocínio de forma madura para seus 31 anos. “Tenho duas filhas, não quero que cresçam revoltadas.”

Diante de tamanho autocontrole, penso se a obstrução visual provocaria algum efeito no hemisfério cerebral responsável por seu olho esquerdo (o controle neuronal de cada metade do corpo é invertido ainda que a tese de que os hemisférios cerebrais possuam uma divisão rígida de tarefas seja atualmente questionada). Curiosidade de colega de profissão, pergunto com qual olho ele costumava fotografar. “Com o que sobrou, no entanto não tenho nenhuma condição de retomar a atividade agora e acho muito difícil que volte a fotografar”. Inevitavelmente, busco entusiasmá-lo mencionando Evgene Bavcar, fotógrafo esloveno, cego de ambos os olhos desde os 12 anos de idade, vítima de guerra. Inevitável, porém desnecessário. Sérgio não está precisando de esmolas emocionais.

Atualmente sem atividade remunerada (em adaptação com a visão monocular, até seu caminhar é inseguro), Sérgio não pretende uma indenização pura e simples. Iniciou uma petição pública pelo fim das balas de borracha e bombas de efeito moral em manifestações pacíficas. Inserido no site www.change.org, o abaixo-assinado já conta com aproximadamente 50 mil assinaturas. “Eu não vou parar. A minha luta agora é desarmar essa polícia que se torna mais violenta a cada dia. Minha luta daqui pra frente não será contra o estado apenas para requerer uma indenização e um reparo pelos meus danos físicos e morais. É pelo direito do cidadão de ir para a rua e não ser atingido por armas não letais que, na verdade, matam sim. Cegam. Preocupa-me essa mentira acerca da não letalidade. Minha preocupação é em tirar essas armas das ruas, é proteger a vida das pessoas.”

Mais tarde, naquele mesmo dia em que entrevistei Sérgio, fui vítima de gás lacrimogênio da PM enquanto buscava fotografar outra manifestação. Após a ocorrência, veio-me outra questão levantada por Sérgio: “Quem lucra com essas armas? Quem financia e lucra com a violência?” Sérgio enxerga longe.