O futuro médico acusado de estupro, formado na USP, e a justiça classista no Brasil. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 2 de junho de 2017 às 16:37
Protesto na Faculdade de Medicina da USP em repúdio à formatura de Cardoso

Estava outro dia reassistindo ao documentário “The Hunting Ground” (“Terreno de Caça”, 2015) e pensando, de novo – não tem como não pensar – na cultura do estupro nas Universidades do mundo, nas Universidades do Brasil, na minha Universidade, enfim.

O documentário entrevista vítimas de estupro de Universidades como Harvard e Stanford, que contam suas histórias e falam sobre como a Universidade recebia suas denúncias.

Estupros em grandes universidades não são apenas corriqueiros: fazem parte de uma cultura. Comer calouras bêbadas é quase um trote misógino perverso. Reitores fecham os olhos e a vida segue.

Nas principais universidades norte-americanas, a problemática em torno dos casos de estupro nos campus foi tamanha que deu até documentário – realizado por ex-alunas, a contragosto das universidades, é claro.

No Brasil, Daniel Tarciso da Silva Cardoso, único réu acusado de estupro na USP, acaba de obter o registro pelo Conselho Regional de Medicina do Estado. Foi absolvido em primeira instância.

E a gente ainda tem que considerar uma vitória o fato de ele, branco e estudante de medicina da USP, ter se tornado réu em um processo por estupro de uma colega.

Daniel não é o primeiro porque é o único estuprador da USP – é a apenas o único que foi, de fato, denunciado.

Assim como nas principais universidades norte-americanas – eis uma congruência, ao menos – as universidades brasileiras também tentam (com mais eficiência) abafar os casos de violência sexual no campus porque, digamos, pega meio mal.

Quem são os alunos de medicina da USP, afinal? Basta olhar em volta e usar a cabeça: gente branca e rica. Gente que, em respeito à cultura classista do nosso país, não pode sair sendo presa assim:  Alto lá.

“Eu quero falar com meus advogados”, eles dizem. Pagam a conta e são absolvidos em primeira instância.

Fora que a academia, por si só, é um espaço de poder. Na favela ninguém diz “quero falar com meus advogados” quando é acusado de um crime.

O buraco é mais em cima.

Não temos um documentário brasileiro sobre estupros nas Universidades, mas temos nossas vozes, nossa arte e nossas timelines, para falarmos sobre estupros nas Universidades – porque precisamos falar sobre isso.

Até que Daniel deixe de ser o único réu denunciado por estupro na USP e para que seja um dos últimos absolvidos em primeira instância.