Publicado no Conversa Afiada

A Dra. Patrícia de Santana Pinho, professora-associada do Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade da California, Santa Cruz, concedeu entrevista a Sylvanna Falcón, apresentadora do programa Critical Voices, da Rádio KZSC Radio, no dia 8/II.
A Dra. Pinho é autora de uma série de livros, como “Mama Africa: Reinventing Blackness in Bahia” e “Mapping Diaspora: African American Roots Tourism in Brazil”.
Em pouco mais de vinte minutos, denunciou, em inglês, o Golpe dos canalhas e canalhas, que, segundo ela, teve início com o julgamento (sic) do Mensalão (do PT, claro, porque o do PSDB…).
O Conversa Afiada reproduz, de modo não-literal, as principais respostas da Dra. Patrícia:
O GOLPE
– a crise política atual pode ser vista como uma continuação do Golpe que tirou Dilma Rousseff do poder em 2016
– mas alguns analistas defendem que essa crise pode ser consequência de algo que aconteceu até antes disso: o que ficou conhecido como “mensalão”, durante o primeiro mandato do Presidente Lula
– vários importantes líderes do PT foram condenados por causa do “mensalão”
– há uma série de elementos do “mensalão” que se relacionam à atual crise:
1) isso se deu durante o primeiro mandato de Lula e muitos apostavam que ele sequer chegaria ao fim daquele mandato. Isso pode ser visto como o início da campanha de difamação contra o PT. Ironicamente, a popularidade de Lula cresceu e ele foi reeleito – e ainda elegeu a sua sucessora. No fim do segundo governo, Lula tinha incríveis 80% de aprovação.
2) outro fator que relaciona o “mensalão” à crise atual é o papel da mídia. É importante dizer que no Brasil cinco famílias controlam 50% dos meios de comunicação. Não só isso… essas famílias controlam diferentes tipos de mídia: canais de TV, jornais, emissoras de rádio, sites…
3) os dois pesos e duas medidas utilizados para criminalizar o PT
sobre o Golpe: há um grande debate no Brasil a respeito do uso do termo “Golpe”. Eu não tenho a menor dúvida de que, sim, é um Golpe
– não tivemos um novo Golpe Militar (com soldados, tanques de guerra etc), mas, se você pensar em “Golpe” como uma tomada ilegítima do poder, então, todo esse processo é sem dúvida um Golpe
– há tantos elementos que provam isso… Um deles é o pretexto usado para executar o impeachment da Presidenta Dilma: “pedalada fiscal”. Aproximadamente 26 governadores brasileiros faziam isso, e não havia nada de criminoso
– quando o impeachment foi confirmado, o Congresso decidiu tornar essa prática legal!
– Michel Temer, em visita aos EUA, disse literalmente que “a ex-Presidente foi tirada do poder porque ela não estava alinhada ao nosso projeto ‘Ponte para o Futuro'”
– Temer foi pego em gravação, há vídeos que mostram uma mala de dinheiro que pertence a ele… e o mesmo Congresso que tirou Dilma se negou a abrir o processo de impeachment contra Temer
SEXISMO
– este aspecto teve um grande peso no Golpe
– foi muito fácil demonizar Dilma por ela ser mulher – “por ser uma mulher sem um homem ao lado”
– o modo como a imprensa retratava Dilma – “sem controle”, “nervosa”, “histérica”.
– e, além da caracterização via texto, havia a representação visual
– eu me lembro de uma fotografia que a Folha de São Paulo publicou na capa de uma edição: Dilma Rousseff no alto da página, com uma mosca em sua testa. Era um modo de a Folha dizer: “ela é inútil. Até moscas se sentam em sua testa”
– é até doloroso descrever isso
– durante o seu segundo mandato, houve uma aumento no preço da gasolina. Criaram um adesivo com a Dilma de pernas abertas e o adesivo deveria ficar na região do tanque de gasolina… Cada vez que alguém ia abastecer o carro, estariam, basicamente, estuprando-a…Era horroroso.
– é uma das provas de como o sexismo ajudou a derrubá-la
LULA
– a perseguição a Lula é o que confirma, sem qualquer sombra de dúvida, que vivemos em meio a um Golpe
– a condenação e a possível prisão de Lula representam a consolidação do Golpe
– a intenção é torná-lo inelegível, mas veja que irônico: quanto mais ele é perseguido pela mídia e pelo Judiciário, mais a sua popularidade se fortalece
– ele é o candidato mais popular. As pesquisas mostram que ele seria eleito, se as Eleições fossem hoje
– são sinais do lawfare contra Lula e o PT
– é um esquema coordenado para minar o projeto político do PT (esquema profundamente sustentado por setores da elite política e econômica, pela imprensa e pelo Judiciário)
O FUTURO DO BRASIL
– há muitas consequências do Golpe
– precisamos discutir alguns problemas:
* o desmantelamento da Democracia no Brasil (supostamente teremos eleições neste ano, mas, com a politização do Judiciário, não temos certeza disso);
* nosso Estado de Bem-Estar Social: os congressistas aprovaram no ano passado um congelamento de 20 anos nos investimentos em Educação e Saúde. Como um país pode se desenvolver assim?;
* a Reforma Trabalhista, que é terrível para os trabalhadores. Ela amplia a precarização. Universidades privadas estão demitindo professores apenas para recontratá-los sob as novas regras, com menos direitos;
* desigualdade e justiça social: o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU por causa da política de distribuição de renda do PT, que tirou cerca de 40 milhões de pessoas da extrema pobreza; e tudo isso veio com uma reação da assim chamada classe média tradicional. A classe média não aceitava viajar de avião com o filho da doméstica ou do pedreiro
– muito dessa insatisfação da classe média vem da ascensão da chamada “nova classe média”
– o Brasil está voltando ao Mapa da Fome da ONU
– e a nossa soberania? E a Petrobras? Vários campos de exploração de petróleo estão indo para as mãos de empresas estrangeiras
RESISTÊNCIA
– as pessoas estão resistindo…
– marchas, ocupações de prédios governamentais, uso de redes sociais
– há alguns movimentos social importantes no Brasil: o Movimento dos Sem-Terra (MST), que sempre foi muito ligado ao PT, por exemplo; o Movimento dos Sem-Teto (MTST), mais associado ao PSOL, mais à esquerda… mas todos os partidos de Esquerda do Brasil têm se posicionado a favor do direito de Lula ser candidato e denunciado o Golpe. Há um consenso na Esquerda de que estamos em meio a um Golpe. E há muita solidariedade internacional, também
– essa multiplicidade de atores sociais é positiva, mas vejo uma fragmentação que pode ser preocupante: nos EUA, essa onda anti-establishment resultou em quê, certo? (risos)
– isso cria um vácuo e abre espaço para ser preenchido por políticos que não eram políticos antes, com sua agenda própria – uma agenda que não é nada progressista, como vimos nos EUA
– esse movimento anti-establishment e até anti-partido tem se espalhado pelo mundo
LEITURA DAS NOTÍCIAS
– eu tenho uma rotina para ler as notícias no Brasil: eu normalmente começo pela Folha de S. Paulo (o que é muito difícil… eles são tão conservadores, “Golpistas”, como os chamamos). Mas, mesmo que eu leia a versão online, sempre presto atenção à capa da edição impressa: eu quero ver como as fotos estão dispostas, como as manchetes são distribuídas… Todos deveríamos criar esse hábito. Depois eu sigo para veículos mais à esquerda em que eu confio. Gostaria de mencionar alguns: The Intercept, Brasil Wire (esses em inglês). Em Português, gostaria de indicar o Diário do Centro do Mundo, Conversa Afiada, Carta Capital como as melhores fontes para entender o que está acontecendo.
– é muito importante que nós mantenhamos a esperança: sem esperança, estaremos permitindo que eles nos vençam.
– como diz Gilberto Gil: a luz nasce na escuridão.
Em tempo: clique aqui para ouvir a íntegra da entrevista, em inglês.