O golpe paraguaio em “Aquarius” no país do Carlos Magno. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 15 de setembro de 2016 às 16:47
Sônia Braga em "Aquarius"
Sônia Braga em “Aquarius”

 

Desde “Tropa de Elite 2”, de 2010, um filme brasileiro não fazia tanto barulho quanto “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho — com a diferença de que “Tropa” ficou circunscrito ao nosso território.

Começou com o protesto do elenco contra o impeachment de Dilma em Cannes, em maio.

Nos cinemas, correspondeu às expectativas. Foi consagrado pela crítica e virou um sucesso de público aqui. No feriado de 7 de setembro a grande maioria das sessões em São Paulo estava lotada.

O prêmio veio na segunda, dia 12: “Aquarius” foi preterido na disputa pelo Oscar. Acabou desbancado por um drama chamado “Pequeno Segredo”, ainda inédito.

Supõe-se que a comissão que escolheu “Pequeno Segredo” tenha assistido a fita, mas, se eu fosse você, não apostaria nisso. Um dos membros do grupo, Marcos Petrucelli, comentarista de cinema da CBN, detonou o ato na França. “Vergonha é o mínimo que se pode dizer”, bateu.  “Aquarius” ainda seria retaliado com uma classificação indicativa de 18 anos, com “sexo explícito” e “drogas”.

No frege, três diretores retiraram suas obras da corrida pelo Oscar — Anna Muylaert com “Mãe Só Há Uma”, Gabriel Mascaro com “Boi Neon” e Aly Muritiba com “Para Minha Amada Morte”. A atriz Ingra Liberato e o cineasta Guilherme Fiúza Zenha saíram e foram substituídos por Carla Camurati e Bruno Barreto.

Ao G1, Petruccelli desdenhou “Aquarius” (ganhou “essa repercussão nos Estados Unidos porque já foi visto, passou no festival de Cannes”) e alegou que seus pares levaram em conta o perfil do júri (“São pessoas geralmente mais velhas, então um pouquinho mais conservadoras”). Então tá.

Tudo na legalidade. As instituições estão funcionando. Se a saga de “Aquarius” conseguiu ser um microcosmo do país, o final é coerente: caia na esteira de um golpe paraguaio.

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O cineasta Kleber Mendonça Filho deu uma entrevista ao DCM na TVT na última sexta-feira. Ele falou, entre outras coisas, o seguinte:

. “Não é um filme sobre o PT.  Termina sendo um filme político porque mostra uma espécie de diagrama de como funciona a sociedade, mas é sobre gente, sobre gostar de um lugar, sobre amar sua casa. Neste momento, parece que ele foi ligado no amplificador e o volume foi aumentado para 10”.

. “O evento em Cannes não foi planejado. Foi uma reação a um acontecimento daquela semana. O impedimento pra mim não fazia sentido, um governo interino não poderia fazer mudanças imediatas na estrutura de um país. O Ministério da Cultura havia sido extinto. Cannes, o maior festival de cinema do mundo, era o lugar ideal para se manifestar. A repercussão foi enorme.”

. “A classificação para maiores de 18 anos foi infeliz para o governo. Recebemos um relatório do MinC muito técnico, não foi uma coisa amadora. Era uma revisão completa. Ocorre que não tem penetração, não tem sexo explícito. Não pode ficar na mesma categoria de ‘Calígula’ ou ‘Ninfomaníaca’. Me parece um cenário muito suspeito.”

. “Sobre a polêmica em torno do uso da Lei Rouanet: tudo depende da forma como o cidadão encara a participação do governo em áreas que eu acho essenciais como educação e cultura. Os país mais inteligentes investem na cultura. ‘Aquarius’ foi feito com 1 milhão de dólares. Só para comparar, ‘Julieta’, do Almodóvar, custou 9 milhões de euros. Existe uma ideia de que o artista é vagabundo. Filmamos durante oito semanas. Foram mais oito de preparo. Um dia estava na rua com a equipe e passou um caminhão com o motorista gritando: ‘Vão trabalhar, seus filhos da puta!’”.

Abaixo, trechos da entrevista de Kleber Mendonça Filho no programa.