“O governador deu legalidade para piorar nossa vida. Parem de nos matar”: moradora do Complexo do Alemão fala ao DCM

Atualizado em 23 de setembro de 2019 às 18:20

Camila Santos é voz ativa nas redes sociais. Moradora do Complexo do Alemão, é através de suas publicações que diariamente acompanho as operações sanguinárias patrocinadas por caveirões e helicópteros na comunidade.

Sim, diariamente. Não há 24 horas de trégua.

Camila gere o “Mulheres em Ação no Alemão”, coletivo que atende crianças e mulheres vítimas de violência doméstica, que se define como um ‘grupo inconformado com a maquiagem dada pelo poder público’ em relação às consequências das contínuas ações desastrosas.

Após a morte da menina Agatha, Camila fez uma publicação endereçada aos comovidos de plantão que pouco ou nada fazem além de compartilhar posts.

“Quem não vive aqui no Complexo do Alemão, vai comentar e comentar… Mas nunca vai saber a realidade.

Pode ter empatia, pode ser solidário… Mas só vai sentir a mesma coisa quando viver a mesma situação.

Estamos pedindo SOCORRO!!! Estamos berrando: PAREM DE NOS MATAR!!!
Imploramos pra que DEIXEM NOSSOS FILHOS SOBREVIVEREM!!

SE VOCÊ NÃO SAIU DA BOLHA AINDA, NEM FALA NADA. NÃO CUTUQUE A FERIDA!”

 Camila conversou com o DCM. 

DCM: A vida no Alemão piorou desde a posse do governador Witzel?

Camila Santos: Tenho 34 anos. Eu nasci aqui. Minha mãe nasceu aqui 57 anos atrás. Meus filhos nasceram aqui. A verdade é que sempre foi bem difícil. Mas agora o governador do estado deu legalidade para piorar. Ele faz questão de deixar isso bem claro. Piorou muito. 

Você teme pela vida dos seus filhos?

Temo sim. Somos moradores. Nossa vida é aqui. Eles estudam aqui. Os avós paternos e maternos moram aqui. Os tios e primos moram aqui. Eu não posso e nem tem lógica levar as crianças todos os dias para brincarem em uma pracinha na zona sul. A sensação que tenho é que a fila vai andar e o próximo pode ser um dos meus filhos.

Você fez uma publicação em tom de desabafo no final de semana. Como vê essa comoção da opinião pública em torno de cada criança assassinada, mas que depois cai no esquecimento, entra para a estatística apenas?

Infelizmente a comoção é passageira. Em alguns casos ela até pode significar sinal amarelo para o poder público, mas a caneta está nas mãos deles. Normal não é. Nem aceitável. Mas faremos o quê?

Você concorre para o cargo de Conselheira Tutelar. Quais os reflexos da violência em crianças da comunidade?

O Complexo hoje tem um dado alarmante que pode ser confirmado pelo Instituto Movimento e Vida. Crianças tem sofrido AVC dentro da barriga da mãe. A saúde mental das nossas crianças está quase inexistente. São muitas crianças com sistema nervoso completamente alterado. Crianças com depressão. Outra coisa grave é sobre Educação. Temos crianças que esse ano já ficaram 22 dias sem aula.

Acredita que o pacote anti-crime pode ser revisto a partir de agora?

Não. Esse pacote não é pensado nem voltado para nós. Se algum ponto for revisto, com certeza é por conta de interesses que não são nossos.

A intervenção militar ocorrida no governo Temer serviu para alguma coisa?

Para nós não. Mostrou apenas que esse modelo de segurança, que eles insistem em investir, favorece apenas o poder público e nos mata.

Camila estava atrasada e encerrou a entrevista com “Não podemos nos calar”. Minha próxima pergunta seria se há alguém ouvindo.