O grande amor só é grande amor se terminar em maldição eterna

Atualizado em 1 de agosto de 2014 às 23:13

image

“Alô?”

“Oi. Sou eu.”

Só pessoas que têm ou recentemente tiveram uma relação especial com a gente podem se apresentar dessa forma. Sem dizer o nome. Demora um bom tempo até que a gente esqueça o som de determinadas vozes. Por isso, declinar o nome, pelo menos por um período, é perda de tempo.

“Oi, Nadja. Tudo bem?”

Era ela. Nadja, meu grande amor perdido. Eu sempre quis falar coisas inteligentes para Nadja, bem diferentes de um reles “tudo bem?”. Sempre quis impressioná-la com falas cinematográficas. Hoje vejo como isso foi ruim para o nosso romance. Eu deveria ter acreditado que ela pudesse gostar de mim como eu sou mesmo, com minhas frases banais e gramaticalmente manquitolas. Uma relação em que você se sinta na obrigação de parecer melhor do que é não pode ter um futuro muito brilhante.

“Fabio, eu queria escrever um texto sobre a minha verdade. A minha versão sobre o fim do nosso romance. Você apresentou, na VIP, a sua verdade. Não acho muito justo. Aliás, não acho nada justo.” (Ela frisou o “nada” esticando deliciosamente a primeira sílaba. É uma das pequenas coisas que mais me trazem saudade. Me ocorre o seguinte pensamento: a saudade das pequenas coisas dói ainda mais que a saudade das grandes coisas.)

“O que você está querendo é inusual, Nadja. Prometo que vou falar com meu chefe, mas posso adiantar que…”

“Não me adiante nada, Fabio. Apenas pondere a ele que a revista não pode nunca apresentar um único lado de uma questão. Nem que essa questão diga respeito à vida amorosa de um de seus colunistas.”

“Odeio você!”

Nadja jamais tivera muita paciência com embromações. Daí o corte abrupto de minha frase. Num momento isso me encantou. Depois confesso que senti falta, em Nadja, de uma dose um pouco maior de paciência. Pelo menos comigo. É curioso, nas relações, como muitas coisas que vemos no começo como virtudes no outro ou na outra se transformam depois, aos nossos olhos, em defeitos. O tempo é cruel como um velho cossaco russo, como dizia meu Tio Fabio, um homem sábio do interior. (Sempre acreditei a tal ponto em Tio Fabio que jamais verifiquei se os velhos cossacos russos eram mesmo cruéis.)

“Eu quero expor o meu lado. Fabio, você sempre foi imaturo. Extremamente imaturo. Você gosta do amor impossível. Você gosta da fantasia, não da realidade. Você não deu certo comigo por mais que eu amasse você. Você não deu certo com a Constância por mais que ela amasse você. Será que você percebe que não dá certo com ninguém? Quando será que você vai crescer, Fabio? É isso que eu quero escrever no artigo para a VIP. Você é um embuste, Fabio. Alô, você está aí?

Ela queria uma prova de que seu golpes verbais estavam doendo. E eu dei, talvez por uma espécie de gentileza póstuma.

“Sim. Pode ir em frente, Nadja.” (Recentemente li numa revista americana que a melhor coisa que você pode fazer quando se vê numa conversa destruidora com sua namorada é encerrar essa conversa enquanto os danos não são tão grandes assim. Infelizmente, em relação a Nadja, só li depois de um número considerável de conversas pesadas.)

“Você me atirou para fora de sua vida com esse comportamento infantil, Fabio. E me atirou para os braços de outro homem. Bem melhor, aliás, que você, Fabio. Principalmente naquilo.”

Naquilo? Um dos maiores tremores de um homem é que seu sucessor seja melhor que ele naquilo. O ideal seria que nossos sucessores fizessem tudo – cantar, escrever poesias, ganhar dinheiro, eventualmente até dar uns beijos -, menos aquilo.

“Vou falar com meu chefe, Nadja.”

“Fabio. Eu… eu…”

Passou pela minha cabeça a possibilidade de que ela completasse a frase assim: “… amo você”.

“… eu odeio você. Quero que você se ferre.”

Nadja me odeia e eu aceito que seja assim. O grande amor só é grande amor se terminar em maldição eterna, dizia meu Tio Fabio.