O Helicoca, o pé de cannabis de Duvivier e a esquerda que engole a si mesma. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 6 de março de 2018 às 12:34
Duvivier

No país do Helicoca, a esquerda está ocupada em criticar Gregório Duvivier, esquerdista e maconheiro nato, por plantar um pé de Cannabis e se defender em uma rede social das acusações de ser um “financiador do tráfico.”

Todo esquerdista e maconheiro nato já viveu esse dilema: comprar maconha é financiar o tráfico (e fumar erva da pior qualidade, mas isso é só um detalhe), plantar maconha é caro – exige aparatos e alguma paciência – e viver sem maconha está fora de cogitação.

Não é a primeira vez que Gregório é criticado pelo mesmo motivo.

Certa vez postou uma selfie com um baseado e criticando a guerra às drogas: chuva de haters. “Esquerda caviar!” “Não reconhece os próprios privilégios!” “Não sabe bolar um baseado!”

Exceto a crítica do baseado mal bolado – era, de fato, um pastel –, nenhuma outra procede.

Se postar uma foto saindo do armário e criticando o que o próprio Duvivier chama de “criminalização da pobreza” – porque as drogas, diz ele, já estão fatidicamente descriminalizadas há muito tempo – e refletindo sobre sua condição privilegiada não é reconhecer privilégios, eu realmente não sei o que é reconhecer privilégios.

O principal reclame da esquerda pós-moderna é: “Se eu postar uma foto com um baseado ou um pé de cannabis, a polícia bate na minha porta em menos de cinco minutos.”

Justamente.

Eu não posso postar uma foto com um baseado. Nenhum esquerdista não-privilegiado pode.

Mas ele pode, e está fazendo isso como forma de promover uma necessária reflexão sobre a descriminalização das drogas no país – alguém, afinal, precisa fazê-lo.

A outra opção é manter-se calado, com cara de sonso, fumando uma erva da boa plantada em estufa própria enquanto preto e pobre apanham por fumarem um baseadinho na praia.

Quando a esquerda critica reiteradamente Duvivier, está perdendo uma valiosa oportunidade de ficar calada (nota: quem financia o tráfico são os políticos donos de helicópteros com toneladas de cocaína).

Ninguém escolhe privilégios, assim como ninguém escolhe desprivilégios, mas todo posicionamento é de livre escolha.

Duvivier não escolheu nascer branco e em berço de ouro, mas escolheu usar desses privilégios para questões que considera primais.

Antes de criticar, leia “A privada e a bicicleta”, “Carteira cheia, carteira vazia”, “Empatia é quase amor”, “Viva a falta de respeito” e tantos outros textos primorosos através das quais o privilégio branco ambulante – como tem sido chamado nas redes sociais – discute política, descriminalização das drogas e liberdade de expressão com maestria.

Gregorio – e Xico Sá, e Zé Dirceu, e Letícia Sabatella, e tantos outros esquerdistas brancos privilegiados – estão do nosso lado e usam a própria visibilidade em prol de causas nobres.

Poderiam estar matando, roubando, se prostituindo ou ganhando rios de dinheiro em publicidade, mas estão queimando o próprio filme em nome de questões humanitárias, e o que é que a gente faz?

Taca-lhe pau!

A esquerda está comendo a si mesma pela cauda.

Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.