O Hobbit 3 é o melhor filme da trilogia

Atualizado em 11 de dezembro de 2014 às 20:28

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Observação: há eventos que ocorrem logo no primeiro ato de O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos que geraram grande surpresa em mim, que já li o livro original. Deste modo, acredito que descrever a trama do longa, mesmo em linhas bastante gerais, sem revelar suas surpresas é uma tarefa impossível. Assim sendo, esteja avisado que esta crítica contém spoilers.

Se você é fã xiita de J.R.R. Tolkien, daqueles que tinham pequenas contrações de prazer a cada palavra pronunciada em élfico na trilogia O Senhor dos Aneis e gemia baixo a cada canção de cinco minutos entoada na íntegra pelos anões no primeiro filme desta nova trilogia ambientada na Terra Média, desejará desesperadamente ultrapassar a quarta parede para dentro deste A Batalha dos Cinco Exércitos em menos de quinze minutos de projeção – mas não para fazer parte da aventura de Bilbo (Freeman), Gandalf (McKellen) & cia, e sim para ser engolido pelo primeiro orc que cruzar o seu caminho ou ser carbonizado à primeira lufada do dragão Smaug (Cumberbatch).

Pois se as discretas alterações feitas por Peter Jackson no cânone da saga original em Uma Jornada Inesperada e A Desolação de Smaug já renderam reações desmedidas dos detratores, a inversão de prioridades da história contada pelo cineasta e seus co-roteiristas para prolongar a batalha final vista aqui serão capazes de gerar debandadas em massa das salas de exibição.

Paradoxalmente, este é o melhor filme da nova trilogia – o que, considerando o verdadeiro abismo criativo existente entre a saga de Frodo que ganhou as telas nos anos 2000 e a de seu tio que teve início em 2012, não quer dizer muita coisa. Pelo menos, A Batalha dos Cinco Exércitos serve para levantar questões importantes sobre a natureza das adaptações cinematográficas em geral – e que, acreditem, não valem a pena ser discutidas com os fanáticos a quem me dirigi no parágrafo anterior: é válido se apossar dos principais elementos constituintes de um material original (universo, personagens, conflitos) e criar algo completamente diferente – ou, como neste caso, conferir-lhe ênfase e abordagem novas?

E mais: caso o resultado desse trabalho seja um filme que funcione em seus próprios termos, devemos reconhecer seus méritos e elogiá-lo? Na minha opinião, a resposta para ambas perguntas é: sim.

Em seu prólogo, A Batalha dos Cinco Exércitos (ou O Hobbit 3) ainda extrai sua história de maneira bastante literal do livro de Tolkien: acordado por Bilbo e expulso da Montanha de Erebor, Smaug voa na direção da Cidade do Lago e inicia uma enorme destruição, incendiando praticamente toda a ilha. Lá, o humano Bard (Evans) consegue matar o monstro – e agora entramos no território que no livro dura dois míseros capítulos e que no longa toma conta de mais de duas horas de projeção – e se torna o rosto favorito da pequena população de sobreviventes para liderá-la.

Ainda mais porque Thorin Escudo de Carvalho (Armitage), seu Rei por direito, se apossou do tesouro da Montanha dos Anões e, dizem as más línguas, foi possuído de tal maneira pela ganância despertada por ele que não está muito inclinado a cumprir suas promessas de dividi-lo. Essa mudança de planos, claro, desperta a desconfiança de Bilbo e dos treze anões que o acompanharam em toda a jornada, assim como a cobiça de elfos e orcs, que organizam seus respectivos exércitos e se dirigem a Erebor a fim de guerrear pelo ouro.

Se por um lado Peter Jackson e seus co-roteiristas Philippa Boyens, Fran Walsh e Guillermo del Toro certamente irritarão os tolkienmaníacos por ter criado um filme inteiro após a derrota de Smaug, por outro os realizadores demonstram uma necessidade incontrolável de acenar aos fãs da trilogia cinematográfica original: aqui, uma cilada acidentalmente une Gandalf, Galadriel (Blanchett) e Saruman (Lee) em uma prévia do embate que travarão contra o “olho” de Sauron; ali, Legolas (Bloom) recebe a instrução de ir de encontro a um tal Arathorn, cujo filho – que todos nós sabemos se tratar de ninguém menos que Aragorn – é um “menino especial” – e já era bem previsível que o desfecho do longa retrataria a despedida de Gandalf e Bilbo e o retorno do último ao mesmo condado que, há mais de uma década, nos introduziu à Terra Média.

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O problema de tais abstrações é simples: elas não passam de… abstrações; de piscadelas de olho de Jackson ao espectador que, para acontecerem, precisam interromper momentaneamente a linha narrativa principal do longa e quebrar seu fluxo natural.

O longo epílogo que mostra a “volta pra casa” de Bilbo, aliás, é sintomático em relação ao tamanho do ego de Jackson, que não é capaz de compreender que, ao contrário do que aconteceu em O Retorno do Rei, em que uma saga realmente épica se encerrava e o público havia se apegado de tal forma àqueles personagens que seria frustrante narrar seus destinos através de simples letreiros, aqui o mesmo espectador está plenamente consciente dos motivos meramente comerciais que levaram o diretor a esticar um pequeno conto infantil em uma trilogia de quase nove horas de duração, compreende que esse é o principal problema do projeto e provavelmente está assistindo a esta sua última etapa apenas para não deixá-la inacabada (“Eu já vi os outros dois mesmo…”).

Ainda assim, justiça seja feita, as “gordurinhas” de A Batalha dos Cinco Exércitos parecem colherinhas de leite integral se comparadas às toneladas de extra bacon dos longas anteriores; sim, Jackson ainda cai no erro de encher linguiça para esticar a metragem do filme (toda a subtrama envolvendo a elfa vivida por Evangeline Lilly, seu amor por Kili (Turner) e as represálias de Thranduil (Pace) poderia ser eliminada), mas este novo filme mostra-se bem mais enxuto que os anteriores.

Em contrapartida, o roteiro constantemente peca por explicar mais de uma vez a mesma informação, como no momento em que, logo após ouvirmos Thorin demonstrar toda a arrogância e vaidade do mundo ao falar sobre seu reino aos outros anões, um flashback revela a lembrança de Bilbo de Smaug falando-lhe acerca da “maldição” contida no tesouro.

Respeitando as consequências provocadas pelas batalhas vistas ao longo da projeção – e demonstrando assim uma consciência cada vez mais ausente nos grandes blockbusters -, O Hobbit 3 não hesita em manter-se na Cidade do Lago após a morte de Smaug, registrando a catastrófica devastação causada ali àquele povo – e há um momento, já durante o grande conflito travado nos arredores de Erebor, em que Jackson interrompe brevemente a corrida de certo personagem em meio aos destroços e cadáveres e abaixa sua câmera para “pegar” o rosto de uma criança falecida no campo de batalha.

É um movimento de câmera aparentemente inofensivo que demonstra a compreensão do realizador de que o espectador jamais sentirá os efeitos de uma guerra épica se ela se resumir a grandes travellings aéreos revelando centenas de milhares de combatentes digitais e nunca for trazida para o ponto de vista humano: a guerra pela Montanha dos Anões (assim como a ambição de Thorin) ceifou crianças, desintegrou famílias e derramou muito sangue inocente.

Com um 3D que incomoda principalmente por escurecer demais o prólogo do confronto com Smaug, um excepcional trabalho de efeitos digitais e maquiagem (percebam como Jackson não tem inibição alguma de executar zooms e travellings na direção dos rostos de criaturas digitais como o orc Azog ((Bennett)) e uma direção segura das cenas de ação, cujos planos mais longos e estáveis ressaltam as batalhas bem coreografadas (com destaque para a luta de Legolas para defender Tauriel (Lilly) de um orc e o acerto final de contas entre Thorin e Azog), A Batalha dos Cinco Exércitos tem bom ritmo, bom equilíbrio entre batalhas e desenvolvimento das relações entre os personagens e um bom conflito central.

Ou seja, é um filme bem sucedido (ainda que meio desengonçado) que surpreende ao exibir certo fôlego ao final de uma trilogia tão problemática.

Confesso que senti um nózinho na garganta ao ver Bilbo Bolseiro voltar ao Condado e encontrar sua pequena casa de madeira e portas circulares vazia e abandonada. Mas o mais triste foi perceber que a emoção vinha pela lembrança dos bons momentos que passamos ali no início de A Sociedade do Anel, quando um Frodo ainda menino e sonhador mal podia imaginar a via crucis que logo teria que atravessar. Pois se dependesse da longuíssima primeira parte de O Hobbit, em que um jantar interminável dos anões prenunciava a paciência que teríamos que ter com essa nova trilogia na Terra Média, minha vontade seria que o Condado inteiro houvesse explodido.